O Estado de S. Paulo

Contendo o dragão da dívida pública

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Domado o dragão da inflação, falta domar o dragão da dívida pública, passo indispensá­vel para o Brasil recobrar o selo de bom pagador, perdido em 2015.

Domado o dragão da inflação, falta domar o dragão da dívida pública, passo indispensá­vel para o Brasil recobrar o selo de bom pagador, perdido em 2015. As perspectiv­as são animadoras. O País economizou R$ 68,9 bilhões no ano passado, na rolagem da dívida, graças à redução da taxa básica de juros, a Selic. O alívio poderá superar R$ 120 bilhões neste ano e atingir R$ 417,6 bilhões entre 2020 e 2022, segundo o Ministério da Economia. Mas o endividame­nto só será controlado efetivamen­te se o governo avançar na pauta de reformas e no conserto das contas oficiais. Esse trabalho apenas começou.

O ganho foi especialme­nte sensível em 2019, quando a economia de juros foi maior que o investimen­to realizado pelo governo federal, de R$ 56,6 bilhões. Mas o trabalho começou em 2016, quando o presidente Michel Temer tomou as primeiras providênci­as para o País sair do atoleiro e vencer a desordem econômica.

As medidas iniciais incluíram o projeto de criação de um teto de gastos, convertido em regra constituci­onal, e um sério combate à inflação. Então com novo presidente, Ilan Goldfajn, o Banco Central (BC) conteve o surto inflacioná­rio com forte aperto monetário, revertido em poucos meses. Com preços mais comportado­s e mercado mais confiante, no fim de outubro daquele ano foi iniciado o corte de juros.

Trocado o governo, os novos dirigentes do BC, sob a chefia de Roberto Campos Neto, voltaram a reduzir a taxa básica, derrubada no segundo semestre do ano passado para 4,50% ao ano. O avanço na política iniciada no período de Ilan Goldfajn permitiu rebaixar mais uma vez o custo da dívida pública.

A preservaçã­o dessa política dependeu, naturalmen­te, de algumas condições. A inflação continuou moderada em 2018 e em 2019, apesar de um repique no começo e outro no fim do ano passado. A maior parte dos preços evoluiu em ritmo seguro, as expectativ­as de mercado se mantiveram favoráveis e o ano terminou bem. Os dados de janeiro comprovara­m a tendência de acomodação. A inflação mensal, medida pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), recuou de 1,15% em dezembro para 0,21% em janeiro. De um mês para outro a taxa acumulada em 12 meses passou de 4,31% para 4,19%. As projeções do mercado apontam 3,25% para 2020, 3,75% para 2021 e 3,50% para cada um dos dois anos seguintes.

Mesmo com os preços em ritmo ainda moderado, as projeções do mercado apontam juros básicos mais altos a partir de 2021. Mas o cenário inclui melhora progressiv­a das contas públicas. O saldo primário, calculado sem os juros pagos pelo governo, deverá tornar-se positivo em 2023. A partir daí o controle do endividame­nto será mais efetivo, porque o governo disporá de dinheiro para liquidar parte dos compromiss­os vencidos.

O cenário é muito melhor do que há seis meses, disse ao Estadão/Broadcast o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida. Pelos novos cálculos, será necessário um superávit primário entre 1% e 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para pôr a dívida em trajetória de queda. Antes se falava de algo na faixa de 3% a 4%. Mas é preciso, advertiu o secretário, evitar ilusões perigosas. Apesar da melhora das contas, o Orçamento continua sem espaço para gastos acima do teto constituci­onal.

Nas atuais projeções, a alta dos juros básicos prevista para 2021 é compensada pela melhora do resultado primário, num quadro de inflação ainda contida. As pressões internas serão moderadas – isto é pressupost­o – por uma redução ainda lenta do desemprego. O quadro externo, outro fator implícito, deverá continuar favorável, com juros muito baixos nos maiores mercados financeiro­s e sem mudanças desastrosa­s nos fluxos de capitais. Um aperto sensível nas políticas monetárias dos Estados Unidos e da União Europeia poderá afetar perigosame­nte as condições do jogo, forçando um aperto na política brasileira de juros. É preciso levar em conta esse risco e apressar a execução da política.

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