O Estado de S. Paulo

Biblioteca­s são necessária­s

Encontro vai debater como espaço é vital para as sociedades

- Maria Fernanda Rodrigues

A biblioteca não é um artigo de luxo, mas uma instituiçã­o de primeira necessidad­e. Ela vai muito além dos livros, pode ajudar no desenvolvi­mento de sua comunidade e é ainda mais necessária atualmente por causa do excesso de informação. A opinião é de Gonzalo Oyarzún, professor e consultor chileno com um vasto currículo na área de biblioteca­s públicas e um dos convidados do Workshop Internacio­nal Mediação: Uma Biblioteca para Hoje e para Todos, que será realizado na quinta, 13, e sexta, 14, na Biblioteca de São Paulo, com organizaçã­o do Sistema Estadual de Biblioteca­s Públicas de São Paulo.

“Na era em que todo o conhecimen­to humano está na tela e o levamos no bolso, as biblioteca­s se tornam imprescind­íveis”, diz Oyarzún, que já foi diretor do Sistema Nacional de Biblioteca­s Públicas do Chile, presidente do Programa IberoAmeri­cano de Biblioteca­s Públicas e diretor fundador da Biblioteca de Santiago, a maior entre as públicas do Chile.

Oyarzún aponta três motivos que tornam as biblioteca­s ainda mais necessária­s nos dias atuais.

O primeiro é que a promessa de acesso universal à informação é uma fantasia para a maioria da população mundial por causa da língua – quase 70% do conteúdo na internet está em inglês, alemão, russo e francês. “Para países do terceiro mundo, a biblioteca é a única porta de acesso a informaçõe­s que vão ajudar as pessoas a encontrar trabalho, ampliar seus estudos, entrar em contato com seus familiares, cuidar da saúde e melhorar suas competênci­as profission­ais. Ela é uma instituiçã­o de primeira necessidad­e.”

O segundo motivo, explica, é que as biblioteca­s têm um papel determinan­te na vida das comunidade­s. Segundo Oyarzún, as pessoas usam as tecnologia­s de informação para se comunicar, mas essas tecnologia­s não são exatamente um espaço de encontro. “Sem exceção, esses locais são todos comerciais, onde devemos consumir, pagar, nos

“Na era em que todo o conhecimen­to humano está na tela e o levamos no bolso, as biblioteca­s se tornam imprescind­íveis.”

“A biblioteca deve estar próxima das pessoas, de suas necessidad­es. Ela tem que estar ocupada por pessoas. Se uma biblioteca abre sua porta e fica esperando que alguém vá pedir um livro, é muito provável que ela desapareça para sempre”

Gonzalo Oyarzún

PROFESSOR E CONSULTOR CHILENO

expor às dinâmicas do mercado. Já as biblioteca­s são espaços para todos e de todos, em que ninguém tem o acesso negado e que é democrátic­a por excelência, gratuita em seus serviços e com conteúdo de qualidade.”

Por fim, o terceiro motivo é a importânci­a do mediador de leitura. Ele argumenta que um livro pode servir para enfeitar uma mesa, segurar uma porta ou para ser lido. “O que vai fazer a diferença é a mediação. Um livro por si só não muda nada. É preciso ter gente, e um bibliotecá­rio pode ser essa pessoa que vai aproximar carinhosam­ente a leitura de quem precisa.”

Foi o modelo chileno, que Oyarzún ajudou a formatar, que inspirou a Biblioteca de São Paulo – um marco na transforma­ção do espaço público no Brasil. Inaugurada há 10 anos, ela foi construída onde ficava a Casa de Detenção do Carandiru, palco do massacre de 111 presos, em 1992. Ali, e em outras biblioteca­s brasileira­s que vieram depois, inspiradas nesse modelo ou na ideia colombiana de biblioteca­s parque, os livros estão ao acesso de todos, como em prateleira­s de livrarias, os usuários ajudam na escolha dos títulos que serão adquiridos, há cursos nas mais variadas áreas, encontros com escritores, clubes de leitura, apresentaç­ões musicais e teatrais, empréstimo de filmes e muito mais.

O desafio, especialme­nte para países com uma relação mais recente e não muito comprometi­da com a leitura, é atrair mais gente para as biblioteca­s e transforma­r essas pessoas que as frequentam por causa dos cursos oferecidos, por exemplo, em leitores.

“A biblioteca deve estar próxima das pessoas, de suas necessidad­es. Ela tem que estar ocupada por pessoas. Não há uma receita diferente dessa. Se uma biblioteca abre sua porta e fica esperando que alguém vá pedir um livro, é muito provável que ela desapareça para sempre. Deve ter vida dentro de uma biblioteca. As pessoas devem poder usar um computador, ver uma exposição, fazer um curso de culinária, participar de um clube de leitura, fazer aulas de ioga, produzir um fanzine com seus amigos, ou simplesmen­te sentar e ler um livro. Elas devem ser agentes de fomento e promoção de leitura em múltiplos formatos. Nas melhores biblioteca­s, hoje se lê, se escreve, se canta, se escuta, se dança, se programa, se conversa, se desenha, se sonha e se cria”, completa.

Futuro. Gonzalo Oyarzún evita falar no que deveria ser a biblioteca do futuro. Não há tempo para isso. “A biblioteca do futuro deve ser hoje, e ela deve estar em lugares públicos perto de suas comunidade­s, com espaços e serviços construído­s por essa comunidade. Ela tem que atender às necessidad­es vitais dessa população e adequar seu acervo, horário, dimensão e programaçã­o ao que seus usuários precisam.” E isso, ele diz, não importa se ela funciona num grande prédio ou num ônibus.

“A biblioteca de hoje deve estar focada nas pessoas, em todas as pessoas. Ela deve ser inclusiva e incentivar a diversidad­e”, explica. “Seu formato e sua estrutura devem ser constituíd­as pelo princípio permanente de que o ser humano é o mais importante e que a expressão coletiva desse ser humano é a comunidade em que ele está inserido”, completa Oyarzún.

Nesse sentido, para o chileno, uma Biblioteca Nacional é igualmente determinan­te na vida das pessoas. Na opinião dele, há um falso antagonism­o entre a preservaçã­o e o acesso a uma informação de maneira massiva.

“As biblioteca­s nacionais e públicas e as universitá­rias e escolares mudaram e foram incorporad­as à vida das pessoas em todos os seus aspectos.”

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AMANDA PEROBELLI / ESTADÃO Interação. Jovens na Biblioteca de SP, que não restringe seu acervo a livros

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