O Estado de S. Paulo

Mais sabor.

Doce artesanal brasileiro retorna ao básico, reduz teor de açúcar e brilha com outros tipos de leite

- Danielle Nagase

Doce de leite artesanal retorna ao básico e com mais tipos de leite.

Leite, açúcar, amor e só. Esse é o slogan da mineira Rocca, produtora artesanal de doce leite, cuja receita se resume aos ingredient­es básicos de antigament­e – qualquer tipo de espessante ou conservant­e fica de fora do tacho.

Caminho, aliás, percorrido por outros produtores que, de uns tempos para cá, passaram a olhar com mais carinho para o doce de leite nacional. Algo parecido com o que aconteceu com os queijos artesanais no Brasil.

Parafrasea­ndo o mote da Rocca, hoje em dia já é possível falar em leites (no plural), pouco açúcar e talvez um tantinho de sal ou bicarbonat­o, mas nem todo mundo usa. O tempo, corrido sem pressa, também é ingredient­e indispensá­vel. É ele o responsáve­l pelo ponto denso e cremoso (lembra? Não leva espessante­s), pelo sabor e pela cor do doce, que vai do marrom claro ao escuro, tipo caramelo. A regra é clara: quanto mais tempo no fogo, mais intenso será o doce.

Rosi e Raphael Figueiredo demoraram quase um ano para desenvolve­r a receita da Rocca. “Compramos o primeiro tacho sem saber fazer doce de leite”, conta Rosi. Eles tinham dois objetivos em mente: diminuir a quantidade de açúcar e acabar com a “tragédia do amido e da glucose”, geralmente adicionado­s para acelerar o cozimento e aumentar o rendimento da receita. “Por isso que argentinos e uruguaios dizem que brasileiro não sabe fazer doce de leite”, lamenta.

O leite de vacas holandesas vem de ordenha própria – tocada pelo pai de Rosi, seu Zé Pequeno – e de pequenas cooperativ­as da região. São 1,5 mil litros diários contra 240 quilos de açúcar para produzir quase 730 quilos de doce de leite. Algo bem distante da proporção de quase um para um usada pela indústria, quiçá por nossas bisavós. A consistênc­ia aveludada é fruto das longas cinco horas de fogo. Na fazenda Lano Alto, em Catuçaba, na Serra do Mar, usa-se leite de vacas da raça Jersey, que é mais gordo, na produção do doce de leite. Elas são criadas a pasto, com pouca intervençã­o e bezerros ao pé, garantindo a qualidade da matéria-prima. A receita leva também açúcar (pouco), uma pitada de sal para não ficar enjoativo e um “tiquinho de bicarbonat­o para ajudar na textura e carameliza­ção”, conta Peèle Lemos, um dos sócios.

Agora é que são elas. Para além da redução do açúcar – e da extinção do amido e demais aditivos –, produtores brasileiro­s têm trocado o convencion­al leite de vaca pelo de outros rebanhos leiteiros. O doce de leite passa a ser também de cabra, de ovelha e de búfala.

“Enquanto o doce de leite de vaca é mais suave, o de cabra é mais protagonis­ta, tem mais personalid­ade. Não tenho um preferido, acho que cada um cumpre o seu papel”, acredita Peèle, que também já produziu e vendeu doce de leite de cabra na Lano Alto. “Paramos porque decidimos vender o rebanho”, conta. O modo de preparo, que inclui sete horas de cozimento em fogo baixo, segundo ele, é o mesmo.

O capril mineiro Rancho das Vertentes, que fez fama por causa de seus queijos de cabra premiados internacio­nalmente, há pouco mais de cinco meses, também fabrica doce com o leite de produção própria. Edson Cardoso, dono do laticínio, conta que usa 20% de açúcar para temperar o leite de cabra, além de uma pitada de bicarbonat­o. O doce ainda não é vendido em São Paulo.

Onde usar: Confira receitas para incrementa­r com esses doces no site do Paladar: bit.ly/docedeleit­es

Quando elaboravam o portfólio da queijaria da Rima, em Porto Feliz, no interior paulista, Maria Clara Serra e Ricardo Rettmann atinaram para a escassez de “outros doces de leite, que não de vaca” no mercado. Foi então que decidiram produzir, além dos queijos, uma versão de doce de leite ovelha. Inspirada no modo de preparo argentino, a receita resultou em “um doce pouco doce com a cremosidad­e e o sabor caracterís­ticos do leite de ovelha”, conta Ricardo. São apenas dois quilos de açúcar para 20 litros leite, além do bicarbonat­o e da pitadinha de sal.

“A receita basicament­e é a mesma, com variações na quantidade de açúcar. O segredo é trabalhar com leite tirado no dia”, acredita Fabio Montezuma, do laticínio que leva seu sobrenome, em São João da Boa Vista, também no interior de São Paulo. “O dia passa, o leite muda.”

Sendo assim, o leite de búfala de rebanho próprio vira doce de leite de segunda a domingo. Cem litros de leite por semana rendem quase quarenta potes do doce encorpado, que tem cor de caramelo e sabor de toffee.

Fábio conta que, certa vez, durante um evento, um cliente argentino, até então ressabiado, provou o doce de leite de búfala e ficou encantado. “Quanto é?”

“Não é nada”, retrucou. “Só quero que você leve um pote, tire uma foto em frente à Casa Rosada e diga que foi o melhor doce de leite que já comeu.”

“Prefiro pagar do que assinar minha sentença de morte”, recebeu em resposta.

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FOTOS DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO De colher. Repare nas nuances de cor e textura de cinco doces de leite artesanais brasileiro­s.

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