O Estado de S. Paulo

Eliane Cantanhêde

- E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

O ministro Paulo Guedes devolveu de bandeja a Lula e ao PT a marca social e o slogan do rico contra o pobre.

Durante anos, o PT e o próprio ex-presidente Lula insistiram no que parecia uma fantasia, ou peça de marketing: a de que “as elites” rejeitavam Lula porque era um nordestino retirante e nunca suportaram que pobres viajassem lado a lado com eles nos aviões. Isso sempre soou bobo, ridículo, populista. Desde a quinta-feira, contudo, passou a fazer sentido, a ser levado a sério.

Em geral correto no conteúdo e desastrado na forma, o ministro Paulo Guedes acaba de dar de bandeja uma superbande­ira política e eleitoral para o PT e Lula. “Empregada doméstica indo pra Disneylând­ia? Uma festa danada. Peraí!”, disse o ministro, que acaba de passar férias em... Miami!

Assim como há no Brasil o reino da piada pronta, Guedes introduz agora o slogan pronto de campanha. Só que da oposição, do adversário. Já dá para ouvir Lula e candidatos petistas entoando País afora: “Empregada doméstica indo pra Disneylând­ia? Uma festa danada Peraí!”. Nenhum marqueteir­o maquiavéli­co faria melhor.

Para piorar as coisas para o bolsonaris­mo e melhorar para o petismo, a declaração foi exatamente na véspera de

Lula se encontrar com o papa Francisco no Vaticano, por uma hora e em lugar reservado, para, segundo Lula, discutirem um “mundo mais justo e mais fraterno” e “a experiênci­a brasileira no combate à miséria”.

“Justiça”, “fraternida­de”, “combate à miséria” remetem às origens e aos propósitos anunciados na criação do PT, há 40 anos – ou seriam séculos? E, mais do que isso, marcam um contrapont­o poderoso ao presidente Jair Bolsonaro e ao bolsonaris­mo, que investem em “família”, “empresário­s”, “armas” e “combate à corrupção”.

O maior troféu de Lula, porém, foi a foto com o papa. O presidente mais popular da história recente brasileira e o papa mais humanista, inclusivo e generoso em décadas. Às favas os fatos, ora, os fatos: a prisão, a condenação em primeira e segunda instâncias, os processos, o envolvimen­to de filhos, as relações promíscuas entre público e privado, o favorecime­nto pessoal. E os erros do PT, sem autocrític­a.

Com o foco obviamente no governo, como sempre é, essas coisas vão perdendo interesse e espaço para manifestaç­ões surpreende­ntes do presidente Bolsonaro, dos ministros da Economia, da Educação, das Relações Exteriores, dos Direitos Humanos. E não são só manifestaç­ões, mas, às vezes, também ações que chocam e vão escancaran­do a real alma do governo.

Nesta semana, Paulo Guedes tinha acabado de pedir desculpas publicamen­te por chamar os funcionári­os públicos de “parasitas”, como também de apagar um incêndio criado pelo próprio Bolsonaro. Num rompante populista, o presidente tinha desafiado os governador­es: se eles zerassem os impostos sobre combustíve­is, a União faria o mesmo. Era uma bravata, praticamen­te impossível. E lá se foi Guedes acalmar os governador­es. Segundo ele, foi só um “mal-entendido”.

Tudo parecia estar se acalmando, mas a guerra continua. Ato contínuo, o governo atacou de novo os governador­es, desta vez os nove da Amazônia. Depois de excluir a sociedade civil do Conselho Nacional do Meio Ambiente, limou os governos estaduais do Conselho da Amazônia. Se há uma coisa que Bolsonaro não gosta é de conselhos, contraditó­rio, visões diferentes, debates...

Logo, as empregadas domésticas não estão sozinhas. Fazem parte de uma lista longa, e crescente, de alvos de Bolsonaro e de seu governo: jornalista­s, ambientali­stas, pesquisado­res, professore­s, estudantes, diplomatas, policiais federais, auditores fiscais, políticos e governador­es.

Lula e o PT estão fazendo festa. Eles não acertam uma, mas lucram com os erros absurdos do presidente e seu governo. Basta jogar parado.

Ministro devolveu a Lula e ao PT a marca social e o slogan do rico contra o pobre

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