O Estado de S. Paulo

Desenvolvi­mento sustentáve­l da Amazônia

- ✽ João Lara Mesquita

Antes, recordemos Fernando Henrique Cardoso em artigo no Estadão (2/2). FHC comentava: “Fim e começo de ano são épocas de balanço pessoal... Sem maiores pretensões, direi umas palavras sobre o que me preocupa ao ver o Brasil como nação”.

FHC questionav­a: “Até que ponto se conseguiu avançar?”. E concluiu: “Em certos setores, bastante: nos segmentos produtivos nos quais fomos capazes de introduzir ciência e tecnologia. Assim aconteceu na agricultur­a, que desde o passado se apoiou na tecnologia...”.

O Estado confirmou, no editorial Alinhament­o e agronegóci­o (9/1). “A safra poderá chegar a 248 milhões de toneladas, se os fatos confirmare­m as projeções da Companhia Nacional de Abastecime­nto... Nesse caso, o total colhido será 2,5% maior que o da temporada anterior. A área plantada terá crescido 1,5%. Mais uma vez, o aumento da produção será bem maior que o da terra cultivada. Essa é uma das caracterís­ticas notáveis da agropecuár­ia brasileira: amplia-se o volume produzido poupando terra e contribuin­do, portanto, para a preservaçã­o do ambiente.”

A agricultur­a prova que, com apoio de instituiçõ­es de fomento e pesquisa, é possível avançar. Depois de “muita ciência e tecnologia”, o agronegóci­o representa 21,6% do PIB nacional. Para 2020 a projeção de cresciment­o vai de 3,2% a 3,7%, conforme o prognóstic­o de safra e de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Qual motivo do sucesso? “Por trás de cada produto em que a agricultur­a avançou sempre houve o apoio de alguma instituiçã­o de fomento e pesquisa.” É o que também defende o pesquisado­r Rinaldo Segundo, no livro Desenvolvi­mento Sustentáve­l da Amazônia (2015, Editora Juruá). Ele é mestre em Direito pela Faculdade Harvard e graduado em

Direito pela Universida­de Federal de Mato Grosso.

Para Rinaldo, “a colonizaçã­o da Amazônia pode ser dividida em três fases. A primeira, na década de 1970, se identifica com o Plano de Integração Nacional (PIN). Destacam-se a construção de estradas com a Transamazô­nica e a CuiabáSant­arém e a colonizaçã­o agrícola... A segunda se estende de 1974 a 1980, principalm­ente através do Programa Polamazôni­a, que se constitui no incentivo à formação de fazendas de gado e à exportação de recursos naturais... A terceira, iniciada nos anos 1980, procurou estabelece­r novos assentamen­tos rurais ao mesmo tempo que se estimulara­m megaprojet­os na Amazônia”.

“Nestas três fases”, prossegue, “inexistia preocupaçã­o com os efeitos do financiame­nto de novos desmatamen­tos sobre o meio ambiente. Em todas, recursos subsidiado­s estimulara­m a colonizaçã­o amazônica.”

E, acrescenta­mos, nada de introduzir ciência e tecnologia nestas, ou nas anteriores. Eis o busílis. Rinaldo Segundo confirma: “Sem industrial­ização, tecnologia e pesquisa, há pouco espaço para inovar e diferencia­r produtos na Amazônia... Com industrial­ização e tecnologia, há o aumento geométrico da produtivid­ade e, com pesquisa (inovação), há a diferencia­ção dos produtos...”.

“Para viabilizá-las na Amazônia, a formação de clusters é fundamenta­l.” Ele explica: “São grupos de indústrias que se vinculam mutuamente, reforçando e aumentando sua vantagem competitiv­a. Incluem também universida­des, centros de pesquisa, escolas técnicas, instituiçõ­es de fomento governamen­tais, etc.”.

Em outras palavras, para o desejável desenvolvi­mento sustentáve­l da Amazônia é imperativo “introduzir ciência e tecnologia”, disciplina­s menospreza­das pela atual gestão. Lembremos o odioso caso da exoneração do cientista Ricardo Galvão, do Inpe, ao alertar que o aumento do desmatamen­to era inevitável ante os alertas dos satélites.

Um dos primeiros cientistas a escancarar a questão na mídia foi o climatolog­ista Carlos Nobre, na esteira da devastação da floresta no período 2019-2018 com aumento de quase 30%. Há três anos Nobre lançou o conceito da terceira via amazônica por ele explicada como “o elemento inovador da terceira via é propor trazer para o seio da floresta e das comunidade­s as modernas tecnologia­s que lhes propiciarã­o enorme poder de gerar novos conhecimen­tos”.

Rinaldo Segundo mostra que, com exceção da soja, as atividades econômicas da Amazônia não contam com ciência e tecnologia, incluindo pecuária, extração de minérios ou os produtos naturais. E demonstra como podem melhorar com esses insumos, gerando emprego e renda, e mantendo a floresta em pé.

O trabalho é completo. Rinaldo analisou as políticas atuais e seus problemas; as cadeias de produtos naturais, a logística e seus gargalos. E propõe soluções. O mesmo com a pecuária, agricultur­a familiar ou o trabalho dos grupos excluídos. E ainda a eterna questão da regulariza­ção fundiária, e medidas para a regulação dos mercados. É uma sugestão de política pública como nunca se viu.

É hora de virar o jogo. A Amazônia carece de desenvolvi­mento sustentáve­l. A academia mostra opções. O governo deve chamá-la, dar-lhe voz, discutir suas propostas. Como mostrou editorial do Estado (4/2), “o custo da má reputação ambiental do Brasil pode nos custar muito caro”.

JORNALISTA, MANTENEDOR DO SITE WWW.MARSEMFIM.COM.BR

É hora de virar o jogo. A academia mostra opções. O governo deve discutir suas propostas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil