O Estado de S. Paulo

Supremo pode rever posição sobre delações da PF

Ministros devem usar colaboraçã­o de Cabral, que atinge o Judiciário e é rejeitada pela PGR, para rediscutir acordos feitos por delegados

- Rafael Moraes Moura

Uma ala do Supremo Tribunal Federal (STF), mais crítica à Operação Lava Jato, pretende usar a delação do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) para rever o atual entendimen­to da Corte que permite que delegados de polícia fechem acordos de colaboraçã­o premiada. A delação firmada entre Cabral e a Polícia Federal é contestada pela Procurador­ia-Geral da República (PGR), que entrou nesta semana com um recurso no Supremo contra a homologaçã­o do acordo.

A delação, sob sigilo, envolve ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e políticos. Segundo o Estado apurou com uma pessoa que teve acesso ao teor da colaboraçã­o, o ex-governador do Rio aborda a indicação de magistrado­s a tribunais.

As primeiras tratativas entre Cabral e a PF começaram no início de 2019, na época em que o ex-governador do Rio confessou pela primeira vez os crimes cometidos. “Meu apego a poder e dinheiro é um vício”, disse, em fevereiro do ano passado. O Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro foi contra firmar colaboraçã­o premiada, posição também adotada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras. O recurso da PGR está sob análise do relator da Lava Jato, ministro Edson Fachin. Ao contestar a homologaçã­o do acordo por Fachin, Aras alega que há “fundadas suspeitas” de que Cabral segue ocultando o dinheiro ilícito que recebeu do esquema criminoso, o que comprovari­a que o acordo viola a condição de “boa-fé” exigida do delator.

Fachin pode levar o pedido da PGR contra a delação para julgamento na Segunda Turma (composta por cinco ministros) ou no plenário (formada pelos 11 integrante­s da Corte). Ao menos dois colegas do relator avaliam que o ideal seria submeter o tema para exame de toda a Corte.

A controvérs­ia com a delação de Cabral reacendeu, nos bastidores do STF, o debate sobre a necessidad­e ou não de aval do MP sobre os acordos fechados pela Polícia Federal.

Um ministro do STF ouvido reservadam­ente pela reportagem levanta dúvidas sobre a validade do acordo do ex-governador, ressaltand­o a rejeição do Ministério Público. Outro ministro acredita que o tema deve ser levado a plenário, junto de outra delação polêmica: o acordo fechado pela própria PGR com os irmãos Joesley e Wesley Batista, da J&F. A Procurador­ia quer a extinção dos acordos dos executivos, mas a manutenção das provas colhidas – a palavra final caberá ao plenário do STF em julgamento marcado para 17 de junho.

Autorizaçã­o. Em 2018, pelo placar elástico de 10 a 1, o STF decidiu que a Polícia Federal pode fechar acordos de colaboraçã­o premiada. O único voto contrário foi justamente de Fachin. Em 2018, o STF decidiu que delegados de polícia - tanto da Federal como da Civil - podem fechar delações. No mesmo ano,

por 8 votos a 3, os ministros também firmaram o entendimen­to de que não é obrigatóri­o que o Ministério Público dê aval à colaboraçã­o feita com a polícia.

Em outro ponto delicado daquele julgamento, por 8 a 3, os ministros entenderam que o acordo da PF pode ser fechado mesmo sem anuência do Ministério Público. Os três votos contrários foram de Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux.

Para o ministro Marco Aurélio Mello, no entanto, não há motivos para o plenário do Supremo retomar a discussão sobre as delações fechadas pela PF. “Decidimos há tão pouco tempo que é possível, vamos reabrir? Causa inseguranç­a”, disse. Marco Aurélio foi o relator da ação julgada em 2018 sobre as colaboraçõ­es premiadas fechadas por delegados.

Um quarto ministro ouvido pelo Estado concorda com Marco Aurélio e avalia que o tema não deve ser revisitado pelo STF, já que a decisão do tribunal foi “massacrant­e” a favor da PF. Para esse magistrado, a insistênci­a de Aras contra a delação de Cabral é “corporativ­a e institucio­nal”, no sentido de reiterar a posição de que só o Ministério Público pode fazer a delação. A defesa de Cabral informou que não vai se manifestar.

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FABIO MOTTA/ ESTADAO-5/6/2018 Assinatura. Delação de ex-governador Sérgio Cabral foi homologada semana passada

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