Chuva extrema vai exigir que SP repense entorno de rios, afirmam especialistas
Temporal recorde desta semana deixou capital e região metropolitana em situação crítica. Atenuar impacto das enchentes envolve desde pequenas ações por toda a cidade até ocupação mais responsável das várzeas. Medidas atuais não são suficientes
O cenário atual de impermeabilização do solo e de mudanças climáticas aponta que chuvas intensas, como as desta semana em São Paulo, devem se tornar mais comuns nos próximos anos. Para atenuar o impacto de enchentes, especialistas defendem um planejamento urbano adaptado às cheias – que vai de ações em pequena escala por toda a cidade até uma ocupação mais responsável das várzeas dos rios, cujo adensamento é direcionado e até incentivado por leis e projetos municipais.
“As águas dos rios, quando correm no leito natural, vão mais lentas, por causa dos obstáculo naturais que encontram nas margens e no próprio fundo. Já aquelas que correm em peças tubulares de concreto vão muito mais rapidamente. As enchentes são o resultado dessa aceleração do encontro com os grandes rios”, ressalta Regina Meyer, professora de Urbanismo da USP.
Dentro dessa situação, adensar no entorno de rios retificados ou canalizados divide opiniões. Para a urbanista Eliana Barbosa, professora visitante na Politécnica de Milão, não é ideal, pois as várzeas deveriam estar mais livres, mas parece
“quase inevitável”. “De hoje até quando o mundo acabar, a água vai acumular nesses lugares. O ideal seria que virasse tudo parque”, pontua. “Fizemos errado e continuamos fazendo errado. Então, daqui para diante, que se comece a pensar em um desenho urbano que acomode as águas, com tipologias urbanísticas e arquitetônicas adaptadas.”
Ela aponta que medidas atuais, como o desassoreamento dos rios e a construção de piscinões, não são suficientes e uma adaptação inclui, até mesmo, mudanças comportamentais, como estacionar veículos em locais que alagam. Dentre projetos elogiados, estão o do Parque da Água, em Zaragoza, na Espanha, cujo projeto recuperou o desenho do rio, respeitou as áreas inundáveis e valorizou os espaços que poderiam ser transitáveis em qualquer época. Outro parque de referência na área fica em Seul, que destampou o Rio Cheonggyecheon, que ficava abaixo de uma grande avenida.
Para a arquiteta e urbanista Anita Freire, o adensamento das várzeas deve ocorrer, mas com planejamento adaptado, deixando espaços vazios nos lotes e com construções de naturezas variadas, tanto de moradia quanto comerciais e institucionais.
“Um projeto de infraestrutura verde caracterizase como multifuncional, já que visa a conciliar os sistemas naturais de drenagem a corredores ecológicos com outras funções e demandas urbanas. Caso fossem tratadas como infraestrutura verde, (as várzeas) poderiam exercer diversas funções, conciliando o sistema de drenagem ao sistema de mobilidade e a um sistema de áreas verdes, funcionando como rede de caminhos florestados”, defende.
“Hoje, as várzeas abrigam
apenas infraestruturas cinzas e concentram grandes problemas relacionados à questão ambiental, como as inundações, a concentração de gases e poluentes e as ilhas de calor associadas às áreas industriais. Os projetos executados trataram de cada questão de forma isolada, e, para resolver questões específicas, muitas vezes criaram problemas em outras áreas, como os projetos dos piscinões que pensam apenas na retenção das águas de drenagem, mas ignoram completamente as questões urbanas do entorno”, diz. “Em relação a drenagem e saneamento, diversos autores apontam que ações de menor escala podem apresentar eficiência igual ou melhor às infraestruturas de grande escala, como o tratamento por microbacias, pequenos espaços públicos reconstituindo as várzeas, coletores individuais de armazenamento e drenagem etc.”
Já o consultor de Infraestrutura Urbana e doutorando em Urbanismo Lincoln Paiva é contrário ao aumento da ocupação das várzeas e defende a melhoria da infraestrutura urbana fora dos eixos centrais. Ele cita como exemplo a cidade de Portland, que é planejada em microáreas, em que serviços essenciais e comércios estão sempre a um raio de 20 minutos de caminhada. “Se não mudar a chave, vai resolver por certo tempo e vai ficar mais difícil reverter mais tarde.”
Ele ressalta, ainda, que a permeabilidade em grandes cidades é comprometida mesmo em gramados, parques e áreas verdes, pois a capacidade drenante depende da saturação, da característica, da inclinação e da compactação do solo. “Precisa ter um mapeamento desse tipo de infiltração e, depois, implementar medidas que possam agir em conjunto.”