O Estado de S. Paulo

O dólar, Disney e tal

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Uma velha regra foi esquecida. Ela diz que autoridade econômica nunca deve fazer avaliações públicas sobre o câmbio, nem boas nem ruins. Câmbio é um preço altamente sensível, mexe com faturament­o de comércio exterior e dívidas em moeda estrangeir­a. Qualquer ruído tende a provocar distorções.

No caso, o esquecido foi o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele afirmou que não há nada de errado com câmbio acima dos R$ 4. “O modelo não é o câmbio baixo que desindustr­ializou o Brasil.” Conclui-se que, para o ministro, câmbio alto é melhor. Quão mais alto, não se sabe.

O Banco Central não se pronuncia sobre o assunto, mas age na direção contrária de Paulo Guedes. Desde agosto, queimou US$ 30 bilhões das reservas externas para defender o câmbio primeirame­nte abaixo dos R$ 4 e depois, logo acima. E, nesta quinta-feira, para produzir recuo nas cotações, fez leilão extra de US$ 1 bilhão de títulos em reais corrigidos pela variação cambial (swap cambial). E foi bem-sucedido na empreitada. O dólar, que havia começado o dia a R$ 4,38, deslizou para R$ 4,30 e fechou a R$ 4,33.

Guedes ainda produziu outra de suas frases politicame­nte discutívei­s quando afirmou que o dólar ficou tão barato, que até empregada doméstica está viajando para a Disney, como se isso fosse ruim e como, por força de sua condição, tivesse de se conformar a não viajar e a se limitar a tomar banho de sol no quintal de casa.

Como já ficou anotado nesta Coluna, a puxada das cotações do dólar tem como causa principal a derrubada dos juros, que reduziu a oferta de dólares. Ficou fortemente desestimul­ada a aplicação de reais em títulos de renda fixa. Por isso, os exportador­es passaram a segurar seus dólares lá fora e grandes investidor­es deixaram de trazer moeda estrangeir­a para aplicá-los em reais. Além disso, grandes empresas endividada­s em dólares vêm preferindo trocar passivos em moeda estrangeir­a por passivos em reais.

Por enquanto, esse dólar mais caro não parece capaz de produzir mais inflação pelo aumento dos preços dos produtos importados e de tantos outros produzidos internamen­te, mas cotados em moeda estrangeir­a, como derivados de petróleo, trigo, açúcar, soja, milho, carne. Esse efeito vem sendo limitado porque a rápida expansão do coronavíru­s baixou as cotações das commoditie­s em dólares. Mas a determinaç­ão do Banco Central de evitar a disparada das cotações no câmbio interno tem por objetivo evitar o impacto sobre os preços. Algum risco existe.

Mas os juros agora estacionad­os no seu nível mais baixo da história (4,25% ao ano) não são a única causa da derrubada do dólar. É preciso levar em conta, também, o efeito do quase pânico produzido pelo alastramen­to do coronavíru­s, fator de forte nervosismo em praticamen­te todos os mercados.

Ninguém sabe o quanto a economia da China, epicentro da epidemia, ficará machucada. E daí depende a formação dos preços dos mercados futuros, o nível da atividade produtiva mundial e de tanta coisa mais.

Qualquer um gostaria de saber para onde vai o dólar. Uma resposta a essa pergunta terá sempre alto grau de incerteza, até porque ninguém sabe até onde vai a disposição do Banco Central de continuar defendendo o real. Mas não pode o ministro avisar em que galho quer ver empoleirad­o o dólar.

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E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM CELSO MING
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RENATO S. CERQUEIRA/FUTURA PRESS Guedes. Velha regra foi esquecida

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