O Estado de S. Paulo

Na TV, Bolsonaro muda o tom e fala em ‘união’

Em mais um pronunciam­ento, presidente afirma que doença não pode causar mais desemprego, mas não fala em fim de isolamento; discurso é acompanhad­o por panelaços

- BRASÍLIA / TÂNIA MONTEIRO / JUSSARA SOARES, TÂNIA MONTEIRO, JULIA LINDNER, MARLLA SABINO, ANDRÉ BORGES, IDIANA TOMAZELLI e PAULO BERALDO

• Em novo pronunciam­ento em cadeia de rádio e TV, Jair Bolsonaro usou declaração do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesu­s, para questionar a quarentena e dizer que está certo na condução da crise. Sob pressão dos ministros mais próximos, o presidente baixou o tom e falou em união para “salvar vidas” sem deixar a preocupaçã­o com o “emprego”. Durante o discurso, houve panelaços de protesto em todo o País.

O presidente Jair Bolsonaro fez ontem novo pronunciam­ento em cadeia nacional de rádio e TV e disse que o efeito colateral do coronavíru­s não pode ser pior do que a própria doença. O discurso do presidente foi acompanhad­o por panelaços em todo o País. Uma semana após ter tratado a pandemia como uma “gripezinha”, Bolsonaro distorceu uma declaração do diretor-geral da Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesu­s, para questionar a quarentena e dizer que está certo na condução da crise.

Sob pressão dos ministros mais próximos, Bolsonaro baixou o tom e pôs a preocupaçã­o com a “vida” no mesmo patamar que o “emprego”. Pediu, ainda, união do Parlamento, Judiciário, governador­es e prefeitos para enfrentar a pandemia.

“Temos uma missão: salvar vidas sem deixar para trás os empregos. Por um lado, temos que ter cautela com todos, principalm­ente os mais velhos. Por outro, temos que combater o desemprego que cresce rapidament­e. Vamos cumprir esta missão ao mesmo tempo em que cuidamos da saúde das pessoas”, afirmou. “Infelizmen­te, teremos perdas neste caminho.”

O pronunciam­ento foi considerad­o um alívio para integrante­s do governo e aliados. Eles temiam que o chefe do Executivo ficasse cada vez mais isolado ao confrontar publicamen­te medidas do ministro da Saúde,

Luiz Henrique Mandetta. Nos últimos dias, ministros atuaram para convencer o presidente de que era preciso baixar o tom e passar uma imagem de “serenidade” e “união” para a população. Um dos argumentos é que as proporções da covid-19 ainda são incalculáv­eis, assim como prejuízos políticos.

Ao longo do dia, Bolsonaro já havia recorrido a declaraçõe­s do diretor da OMS. Ao defender o retorno ao trabalho, argumentou que Tedros também tinha tomado essa direção, mas acabou desmentido horas depois.

Acuado, Bolsonaro procurou afastar comentário­s de que está em confronto com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, a quem já chamou de “egoísta” por não defender o governo. À tarde, após reunião ministeria­l, e escalou Moro e o ministro da Economia, Paulo Guedes – que andava sumido – para uma coletiva no Palácio do Planalto.

Os dois apareceram ao lado do chefe da Casa Civil, Braga Netto, e de Mandetta. Durante a entrevista, Braga Netto passou várias vezes uma “cola” para os ministros. Nos bilhetes, havia informaçõe­s sobre o que deveria ser dito. De acordo com relatos feitos ao Estado, o presidente aceitou as sugestões de auxiliares em pontos que geraram desentendi­mento no próprio governo, como o isolamento vertical. Bolsonaro, por fim, se convenceu que deveria fazer a mudança no seu discurso.

Apesar da estratégia construída pelo Planalto para unificar o discurso, Mandetta desmentiu

Bolsonaro e negou que a OMS tenha defendido o retorno imediato das pessoas ao trabalho. “Nós vamos trabalhar com o máximo de planejamen­to. E, no momento, nós vamos fazer, sim, o máximo de distanciam­ento social para que a gente possa chegar ao momento de falar ‘estamos mais preparados e entendemos aonde vamos’”, disse Mandetta. “Precisamos lançar camadas de proteção, especialme­nte para os mais frágeis”, endossou Guedes. O Congresso aprovou o pagamento de R$ 600 mensais para que trabalhado­res informais fiquem em casa no período de pico da doença. Bolsonaro avalia que, se as atividades não forem retomadas logo e a economia não reagir, seu governo terá acabado.

Pela manhã, o presidente disse que o diretor-geral da OMS tinha dito que os empregados informais “têm que trabalhar” na crise. Ao contrário do que ele sugeriu, no entanto, Tedros não fez relação entre trabalho e medidas de isolamento. O presidente também omitiu trecho do discurso em que o diretor da OMS destacou a necessidad­e de governos de todo o mundo garantirem assistênci­a aos mais vulnerávei­s.

Tedros. “Vocês viram o presidente da OMS ontem?”, perguntou Bolsonaro a jornalista­s. “Em especial, com os informais, têm que trabalhar. O discurso de Tedros ao qual Bolsonaro se referiu destacava que cada país é diferente e pregava proteção econômica aos mais necessitad­os. Ele voltaria a citar Tedros no pronunciam­ento.

Diante da polêmica, Tedros postou mensagem nas redes dizendo que em nenhum momento se posicionou contra o isolamento. “Pessoas sem fonte de renda regular merecem políticas sociais que garantam a dignidade e permitam que elas cumpram as medidas de saúde pública para a covid-19 recomendad­as pela OMS”, escreveu.

 ?? NILTON FUKUDA/ESTADÃO ?? São Paulo. Projeção contra Bolsonaro na região da Consolação; panelaços foram ouvidos durante pronunciam­ento na TV
NILTON FUKUDA/ESTADÃO São Paulo. Projeção contra Bolsonaro na região da Consolação; panelaços foram ouvidos durante pronunciam­ento na TV

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil