Na TV, Bolsonaro muda o tom e fala em ‘união’
Em mais um pronunciamento, presidente afirma que doença não pode causar mais desemprego, mas não fala em fim de isolamento; discurso é acompanhado por panelaços
• Em novo pronunciamento em cadeia de rádio e TV, Jair Bolsonaro usou declaração do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, para questionar a quarentena e dizer que está certo na condução da crise. Sob pressão dos ministros mais próximos, o presidente baixou o tom e falou em união para “salvar vidas” sem deixar a preocupação com o “emprego”. Durante o discurso, houve panelaços de protesto em todo o País.
O presidente Jair Bolsonaro fez ontem novo pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV e disse que o efeito colateral do coronavírus não pode ser pior do que a própria doença. O discurso do presidente foi acompanhado por panelaços em todo o País. Uma semana após ter tratado a pandemia como uma “gripezinha”, Bolsonaro distorceu uma declaração do diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, para questionar a quarentena e dizer que está certo na condução da crise.
Sob pressão dos ministros mais próximos, Bolsonaro baixou o tom e pôs a preocupação com a “vida” no mesmo patamar que o “emprego”. Pediu, ainda, união do Parlamento, Judiciário, governadores e prefeitos para enfrentar a pandemia.
“Temos uma missão: salvar vidas sem deixar para trás os empregos. Por um lado, temos que ter cautela com todos, principalmente os mais velhos. Por outro, temos que combater o desemprego que cresce rapidamente. Vamos cumprir esta missão ao mesmo tempo em que cuidamos da saúde das pessoas”, afirmou. “Infelizmente, teremos perdas neste caminho.”
O pronunciamento foi considerado um alívio para integrantes do governo e aliados. Eles temiam que o chefe do Executivo ficasse cada vez mais isolado ao confrontar publicamente medidas do ministro da Saúde,
Luiz Henrique Mandetta. Nos últimos dias, ministros atuaram para convencer o presidente de que era preciso baixar o tom e passar uma imagem de “serenidade” e “união” para a população. Um dos argumentos é que as proporções da covid-19 ainda são incalculáveis, assim como prejuízos políticos.
Ao longo do dia, Bolsonaro já havia recorrido a declarações do diretor da OMS. Ao defender o retorno ao trabalho, argumentou que Tedros também tinha tomado essa direção, mas acabou desmentido horas depois.
Acuado, Bolsonaro procurou afastar comentários de que está em confronto com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, a quem já chamou de “egoísta” por não defender o governo. À tarde, após reunião ministerial, e escalou Moro e o ministro da Economia, Paulo Guedes – que andava sumido – para uma coletiva no Palácio do Planalto.
Os dois apareceram ao lado do chefe da Casa Civil, Braga Netto, e de Mandetta. Durante a entrevista, Braga Netto passou várias vezes uma “cola” para os ministros. Nos bilhetes, havia informações sobre o que deveria ser dito. De acordo com relatos feitos ao Estado, o presidente aceitou as sugestões de auxiliares em pontos que geraram desentendimento no próprio governo, como o isolamento vertical. Bolsonaro, por fim, se convenceu que deveria fazer a mudança no seu discurso.
Apesar da estratégia construída pelo Planalto para unificar o discurso, Mandetta desmentiu
Bolsonaro e negou que a OMS tenha defendido o retorno imediato das pessoas ao trabalho. “Nós vamos trabalhar com o máximo de planejamento. E, no momento, nós vamos fazer, sim, o máximo de distanciamento social para que a gente possa chegar ao momento de falar ‘estamos mais preparados e entendemos aonde vamos’”, disse Mandetta. “Precisamos lançar camadas de proteção, especialmente para os mais frágeis”, endossou Guedes. O Congresso aprovou o pagamento de R$ 600 mensais para que trabalhadores informais fiquem em casa no período de pico da doença. Bolsonaro avalia que, se as atividades não forem retomadas logo e a economia não reagir, seu governo terá acabado.
Pela manhã, o presidente disse que o diretor-geral da OMS tinha dito que os empregados informais “têm que trabalhar” na crise. Ao contrário do que ele sugeriu, no entanto, Tedros não fez relação entre trabalho e medidas de isolamento. O presidente também omitiu trecho do discurso em que o diretor da OMS destacou a necessidade de governos de todo o mundo garantirem assistência aos mais vulneráveis.
Tedros. “Vocês viram o presidente da OMS ontem?”, perguntou Bolsonaro a jornalistas. “Em especial, com os informais, têm que trabalhar. O discurso de Tedros ao qual Bolsonaro se referiu destacava que cada país é diferente e pregava proteção econômica aos mais necessitados. Ele voltaria a citar Tedros no pronunciamento.
Diante da polêmica, Tedros postou mensagem nas redes dizendo que em nenhum momento se posicionou contra o isolamento. “Pessoas sem fonte de renda regular merecem políticas sociais que garantam a dignidade e permitam que elas cumpram as medidas de saúde pública para a covid-19 recomendadas pela OMS”, escreveu.