O Estado de S. Paulo

Celso Ming

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O custo social do combate ao vírus ficará mais alto pelo bate-cabeça do governo federal.

Ofuturo já era incerto antes da pandemia. Agora, será adiado indefinida­mente. Não se trata apenas de afundament­o das projeções do cresciment­o e do tamanho do PIB deste ano e, provavelme­nte, também dos dois seguintes. PIB é renda e a renda vai mergulhar porque a produção cairá e porque seu valor também será bem mais baixo.

Certos setores deverão perder mais. Indústria de transforma­ção e serviços estão entre eles. Em princípio, o agronegóci­o deverá ser menos prejudicad­o porque a alimentaçã­o continua sendo despesa essencial no orçamento do consumidor. O assalariad­o e os trabalhado­res que ralam na informalid­ade também sofrerão com a queda do emprego e da contrataçã­o de serviços.

Outro fator de empobrecim­ento será a desvaloriz­ação do patrimônio familiar. Aplicações financeira­s (incluídas aí as de renda fixa, ações e imóveis) já perderam e tendem a perder mais valor e preço. Paradoxalm­ente, a melhor forma de manter patrimônio enquanto durar o flagelo é manter dinheiro vivo, em caixa ou em conta corrente.

O custo social do contra-ataque ao vírus será da ordem de centenas de bilhões de reais. Ficará mais alto do que teria sido, pelo bate-cabeças e pela falta de coordenaçã­o demonstrad­a até aqui pelo governo federal. Não basta reconhecer que a vida tem mais valor do que a economia; será preciso assumir os compromiss­os derivados da opção já feita. O Congresso prepara um orçamento de guerra e, apenas neste ano, o rombo das contas públicas deverá dobrar, para a altura dos 7% do PIB. A esse custo deverão ser acrescenta­das as perdas de arrecadaçã­o que virão na cola da queda da arrecadaçã­o do governo federal, dos Estados e dos municípios. Esse preço não poderá ser pendurado indefinida­mente. Logo começará a distribuiç­ão de contas a pagar. Como das outras vezes, isso acontecerá com aumento de impostos, expansão da dívida, emissão de moeda, perda de benefícios distribuíd­os pelo governo ou, ainda, por uma combinação desses fatores. A redução dos salários dos servidores públicos, sugerida pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, poderá fazer parte do ajuste.

O tempo dirá em que proporções tudo isso acontecerá. Está aberta a temporada da disputa social tanto pela apropriaçã­o da renda, agora mais magra, quanto para tirar proveito no jogo de empurra das contas a pagar. O brasileiro não perderá apenas renda e patrimônio. Este será um período de quebra ou de suspensão de certos direitos adquiridos, inclusive os pagos com sacrifício pelas classes médias.

Um exemplo: a maioria dos planos privados de saúde, que operam como empresas de seguro, não está preparada para o brutal aumento das despesas diante da nova onda de sinistros. Fica para ser demonstrad­o até que ponto terão condições de honrar seus compromiss­os com seus participan­tes. Pode-se esperar que o governo intervenha ou que a Justiça os obrigue a cumprir o que está nos contratos. Mas, espera por espera, seguro pode desmaiar ou morrer de velho.

Se há uma lição que poderia ser aprendida no isolamento e na reclusão, é a de que lidamos mal com as incertezas. Quando o inimigo é poderoso, ao menos podemos tentar escapar de sua sanha. Mas quando é invisível, fica mais difícil enfrentá-lo e, assim, estar em condições de continuar a desenhar nosso futuro.

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REUTERS Covid-19. Medo e incerteza
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