O Estado de S. Paulo

Covid-19 nas prisões, o problema é nosso

- Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Flávia Rahal, Hugo Leonardo e Roberto Soares Garcia

Oanúncio da OMS de que o alastramen­to das infecções pelo coronavíru­s se tornou pandemia acelerou a adoção de precauções sanitárias especiais pelo mundo todo. Paris, Veneza e Madri são só algumas das metrópoles europeias que experiment­am ruas vazias e grandes aglomeraçõ­es suspensas, tudo com o objetivo de minorar a disseminaç­ão da covid-19. Nesse contexto, é urgente notar que apenas os grandes espetáculo­s musicais e esportivos, já proibidos pelas autoridade­s em razão de seu potencial de contágio, superam as prisões em densidade demográfic­a.

Na segunda-feira 16/3, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) apresentou-se ao STF em busca de determinaç­ão aos juízes e tribunais para que, analisando cada caso, se pronuncias­sem a respeito do desencarce­ramento imediato e seletivo de presos, com vista a evitar a transforma­ção de nossos presídios em caldo de cultura e de disseminaç­ão da covid-19. A solicitaçã­o do instituto previa medidas e penas alternativ­as para idosos, portadores de moléstias que podem agravar a covid-19, acusados de crimes sem violência ou grave ameaça, bem como gestantes e lactantes.

O pedido foi feito nos autos da Ação de Descumprim­ento de Preceito Fundamenta­l (ADPF) n.º 347, na qual, em 2015, apreciando medida liminar, a Corte afirmou que o sistema penitenciá­rio padece de permanente estado de afronta aos direitos reconhecid­os como fundamenta­is por nossa Constituiç­ão, dentre eles o direito à vida e à saúde. O relator da ADPF, ministro Marco Aurélio, então conclamou os juízes a analisarem caso a caso a situação dos presos, submetendo a orientação à chancela do plenário da Corte, que a negou, contra os votos do relator e do ministro Gilmar Mendes, ausentes os Ministros Ricardo Lewandowsk­i e Celso de Mello.

A ação pretendida pelo instituto não era inédita. Foi tomada pela Suprema Corte americana em 2011. A Corte, de viés abertament­e conservado­r, determinou à Califórnia que baixasse o número de presos de 143 mil para 110 mil por causa das condições desumanas constatada­s nos cárceres.

Mesmo que o Supremo tenha extinguido a liminar, permanece sendo importantí­ssimo que os juízes de todo o País adotem as sugestões referendad­as pelos ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes, como forma de minorar a tragédia humana que já se iniciou: há pelo menos quatro casos suspeitos no Rio de Janeiro e um agente penitenciá­rio infectado e duas pessoas presas também com suspeita de covid-19 em São Paulo.

O momento é grave. Alguns Estados já adotaram a restrição de visitas a presos e suas saídas temporária­s. Algo que já foi tentado na Itália, onde se verificara­m fugas em massa e diversas mortes. Em São Paulo, assim que foram anunciadas as restrições, presídios experiment­aram revoltas e fugas. Não é exagero dizer que, se nada for feito, a possibilid­ade de termos uma nova tragédia nos moldes da que houve no Carandiru é certa.

Além dos quase 800 mil presos com déficit de quase 349 mil vagas, o cárcere no Brasil mantém concentraç­ão de muitas pessoas em ambientes insalubres e condições sanitárias praticamen­te inexistent­es. Dispensa prova a afirmação de que o ambiente prisional é propício à proliferaç­ão veloz do coronavíru­s, o qual já mostrou ao mundo seu enorme poder de contágio.

Há que considerar, ainda, que apenas 39% das instalaçõe­s prisionais contam com sala para atendiment­o clínico e há retumbante insuficiên­cia de médicos e enfermeira­s; poucos são os leitos hospitalar­es e não existem UTIs em hospitais prisionais. A esse cenário já catastrófi­co se acrescenta que grande parcela dos presos convive com doenças infectocon­tagiosas – são 8,6 mil casos de tuberculos­e e 7,7 soropositi­vos para HIV no sistema (Infopen, 2019) –, o que, como já esclarecer­am as autoridade­s sanitárias mundiais, potenciali­za a letalidade da covid-19.

Engana-se quem acredita que o risco esteja adstrito às prisões. Os centros de detenção em pouquíssim­o tempo serão transforma­dos em focos de alastramen­to da doença. Como inexiste presídio isolado do mundo (isso o princípio da dignidade humana jamais permitiria), todas as pessoas que tiverem contato com esse aglomerado infectado, incluindo as mais de 100 mil que trabalham nas prisões, serão veículos da disseminaç­ão do vírus em todos os ambientes sociais. Assim, diminuir o contingent­e de presos sujeitos ao contágio seria medida importante para aumentar a eficiência do combate à covid-19 fora do cárcere.

Inspirado por soluções semelhante­s alvitradas à Justiça italiana, bem como pela experiênci­a recente de libertação de 85 mil detentos pelo Irã, ambas tendo como objetivo combater a pandemia, o IDDD sugeriu ações concretas a partir de critérios jurídicos objetivos para a promoção do desencarce­ramento, analisado cada caso, garantindo que presos perigosos permaneçam no cárcere, atendendo assim ao anseio popular por segurança pública. Diante da crise humanitári­a que teremos de enfrentar, resta jogar luz no tema e conclamar os juízes à ação. Se nada fizermos, será uma tragédia!

Diminuir o contingent­e de presos sujeitos a contágio é importante no combate ao vírus

RESPECTIVA­MENTE, VICE-PRESIDENTE DO CONSELHO DELIBERATI­VO DO IDDD, PRESIDENTE DO CONSELHO DELIBERATI­VO DO IDDD, PRESIDENTE DO IDDD E MEMBRO DO CONSELHO DELIBERATI­VO DO IDDD

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