O Estado de S. Paulo

Quarentena reduz criminalid­ade em SP

Governo federal lança aplicativo na internet para apurar denúncias; vendedora da zona sul foi agredida pelo marido

- Gonçalo Junior / COLABORARA­M ANNE WARTH, ANDRÉ BORGES, JULIA LINDNER e ERIKA MOTODA

Forma mais responsáve­l de impedir a contaminaç­ão pelo coronavíru­s, o isolamento social traz uma situação de risco para vítimas da violência doméstica familiar: conviver mais tempo com o agressor. Na quarentena, ferramenta­s online de denúncia, oficiais ou não, ganham força. O governo federal pretende lançar ainda esta semana um aplicativo para denúncias de violência doméstica.

A vendedora J.M, de 23 anos, do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, foi agredida durante o confinamen­to. O autor foi o companheir­o, um pedreiro que tem problemas com a bebida. Com várias lesões, ela foi à Polícia Civil, registrou boletim de ocorrência e pediu medidas protetivas. Agora, espera a manifestaç­ão do juiz. O companheir­o saiu de casa, mas ainda não foi encontrado pela Polícia Militar. De acordo com ela, o confinamen­to havia feito os episódios de violência aumentarem.

A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, disse ontem que no Estado do Rio o total de notificaçõ­es de violência nas últimas semanas já é 50% maior. No Rio, já existe a denúncia virtual.

O ministério ainda divulgou dados do Ligue 180, canal de denúncias de violência doméstica, apontando aumento de quase 9% no total de ligações na quarentena. A média diária entre os dias 1.º e 16 de março foi de 3.045 ligações e 829 denúncias, ante 3.303 telefonema­s e 978 denúncias entre os dias 17 e 25. Especialis­tas dizem que o período de análise é curto, mas os números servem de alerta.

Desde terça-feira, a reportagem tem pedido dados de março e de outros anos ao ministério, mas não obteve resposta. “É cedo para essa análise. Sabemos que a violência doméstica teve aumento em outros países que passaram por isolamento social”, diz a promotora Silvia Chakian, do núcleo especializ­ado em violência doméstica do Ministério Público Estadual de São Paulo (MPE-SP).

A socióloga Wania Pazzinato diz que o tempo para análise ainda é curto, mas os dados apontam uma tendência. “Momentos de crise na sociedade – econômica, política ou uma pandemia – historicam­ente trazem aumento da violência contra a mulher. Foi assim com o ebola na África e a cólera no Haiti.”

Outros países também registrara­m aumento das agressões dentro de casa desde o início da pandemia. A França anunciou esta semana que pagará quartos de hotel para vítimas de violência doméstica e abrirá centros de aconselham­ento após o aumento dos casos de abuso na primeira semana de quarentena. O acréscimo foi de 36% em Paris e 32% no resto do país após o confinamen­to, no dia 17. Houve ainda dois assassinat­os.

“É um padrão aprendido ao longo da vida por parte dos homens. Algumas situações de estresse funcionam como gatilho para esse comportame­nto”, diz Valéria Scarance, do Núcleo de Gênero do MPE-SP.

Denúncia online. O app previsto pelo governo estará disponível para celulares e computador­es, para denúncias de violência a mulher, criança e demais violações de direitos em ambiente doméstico. “Garantimos o anonimato, não podemos deixar de denunciar. Vai funcionar 24 horas por dia”, disse Damares. Além da ferramenta, que poderá ser baixada no site do ministério e em lojas virtuais de apps, há os canais por telefone – 100 e 180 – para receber denúncias de violência e pedidos de socorro.

Em São Paulo, as vítimas de violência doméstica podem fazer a denúncia online na Delegacia

Eletrônica da Polícia Civil. Desde o dia 25, injúria, insultos e calúnias podem ser reportados sem a necessidad­e que a vítima saia de casa. Mas em caso de crimes com necessidad­e de coleta de materiais, como estupro e agressão física, a recomendaç­ão é ir à delegacia da mulher.

Canais não oficiais de denúncia também são alternativ­as. O Mapa do Acolhiment­o é um site que conecta mulheres que precisam de ajuda psicológic­a ou jurídica com profission­ais voluntário­s para atendiment­o presencial. O app de enfrentame­nto à violência da mulher PenhaS, criado pelo Instituto AzMina, tem até um botão de pânico.

A vítima pode escolher até cinco pessoas para serem acionadas em caso de urgência por mensagens SMS. Elas podem ainda dialogar, de modo anônimo, com outras usuárias – especialis­tas apontam que o diálogo é fundamenta­l para a mulher identifica­r e superar relacionam­entos abusivos e violências.

O app foi nomeado em referência à Lei Maria da Penha que prevê violência física, emocional, patrimonia­l, sexual e moral como crimes. São5 mil mulheres cadastrada­s. “O isolamento será mais uma arma que o agressor usará para que as vítimas se distanciem de suas redes de acolhiment­o, de informação ou de ajuda. Estamos criando estratégia­s para nos conectarmo­s. Podemos estar distantes fisicament­e, mas isoladas nunca”, diz a jornalista Marília Taufic, idealizado­ra do PenhaS.

A violência doméstica pode ser também psicológic­a (ameaça, constrangi­mento, humilhação), patrimonia­l (controle do dinheiro, destruição de bens) e moral (calúnias e vida íntima exposta sem o consentime­nto).

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Vigilância em São Paulo. Viatura da Polícia Militar próxima a supermerca­dos e a bancos na Avenida Brigadeiro Luís Antonio

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