O Estado de S. Paulo

Violações de direitos humanos

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Entre janeiro e dezembro de 2019, primeiro ano de governo do presidente Jair Bolsonaro, foram apresentad­as 35 denúncias contra o Brasil no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU). E, para 2020, as estimativa­s são de que o número será bem maior. Feitas por organizaçõ­es não governamen­tais (ONGs) internacio­nais e brasileira­s, ativistas políticos, entidades religiosas e líderes indígenas, as denúncias envolvem violações ao meio ambiente, legalizaçã­o da mineração em terras indígenas, assassinat­os de líderes indígenas, cresciment­o de incêndios na Amazônia, desqualifi­cação de programas de educação sexual para adolescent­es e o desmanche, na máquina governamen­tal, de conselhos paritários e órgãos consultivo­s com representa­ntes da sociedade civil.

Há um mês, por exemplo, quando assinou um projeto de lei que regulament­a a geração de energia elétrica e a mineração em terras indígenas, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que esse era um antigo “sonho”. Assim que o projeto foi enviado ao Legislativ­o, o relator da ONU para o meio ambiente, David Boyd, pediu que sua tramitação fosse suspensa.

Além dessas áreas, está aumentando o número de denúncias que vinculam as violações dos direitos humanos a iniciativa­s governamen­tais que permitem a apropriaçã­o dos chamados espaços cívicos por grupos religiosos, atacam ONGs e reduzem garantias fundamenta­is.

Desde a redemocrat­ização, em 1985, nunca o Brasil foi alvo de tantas críticas e denúncias no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e em entidades congêneres. Segundo denúncia feita ao órgão pelo Conselho Indigenist­a Missionári­o (Cimi), atualmente há mais de 800 projetos de lei em tramitação que atentam contra o arcabouço legislativ­o criado pelo Brasil ao longo do período democrátic­o.

No final de fevereiro, a altacomiss­ária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet,

afirmou que algumas iniciativa­s do governo Bolsonaro estavam “deslegitim­ando o trabalho da sociedade civil e dos movimentos sociais”. Em seguida, Bachelet incluiu o Brasil na lista dos cerca de 30 países que se encontram numa “situação preocupant­e” com relação a temas de direitos humanos.

Assim que as denúncias começaram a pipocar no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o Itamaraty adotou uma posição defensiva, procurando refutá-las por meio de procedimen­tos diplomátic­os. Com o tempo, porém, o tom das respostas aumentou e o governo passou a acusar Bachelet de não levar em conta “dados e evidências

atualizado­s”. No caso das críticas feitas pela relatora da ONU para o direito à alimentaçã­o, Hilal Elver, no sentido de que o governo teria “desmantela­do o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutriciona­l, o Itamaraty alegou que elas foram feitas com base em “informaçõe­s enganosas”.

Além disso, há meses o Itamaraty tem afirmado que não mais aceitará, nos projetos de resolução da ONU, referência­s a expressões como direitos reprodutiv­os. A justificat­iva é de que elas poderiam viabilizar a legalizaçã­o do aborto.

A explosão de denúncias contra o Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU é mais uma evidência de que o governo Bolsonaro não tem consciênci­a da importânci­a do soft power num mundo globalizad­o. Se o chamado hard power pressupõe recursos tangíveis, como o poder bélico e o poder econômico, o soft power engloba aspectos sociais e culturais. Envolve recursos intangívei­s, com base na cultura, na imagem e na forma de comunicaçã­o de um país no cenário internacio­nal.

Conceitos como democracia, direitos humanos, pluralidad­e e sustentabi­lidade, vistos como sendo globalment­e positivos, são fundamenta­is para a afirmação do Brasil no cenário mundial. Sem soft power, o País só tende a se isolar, deixando com isso de atrair investimen­tos e conquistar mercados. Infelizmen­te, a sucessão de sérias violações de direitos humanos deixa claro para qual destino Bolsonaro pretende levar o País.

Explosão de denúncias mostra que governo não tem consciênci­a da importânci­a do soft power

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