O Estado de S. Paulo

Trump encara uma nova realidade

- •✽ PETER BAKER

Cinco semanas atrás, quando havia 60 casos de coronavíru­s nos EUA, Donald Trump expressou pouco alarme. “Isso é uma gripe”, disse. Ele ainda a comparava a uma gripe comum até semana passada. Mas, na terça-feira, mais de 187 mil casos haviam sido registrado­s e mais americanos haviam morrido na pandemia do que nos ataques de 11 de setembro de 2001. Então, a avaliação do presidente mudou. “Não é gripe”, afirmou. “É cruel.”

Quando o presidente apareceu na sala de reuniões da Casa Branca, ao lado de gráficos que mostravam a projeção de mortes, ele estava se deparando com uma realidade que há muito se recusava a aceitar. Os gráficos previam que de 100 mil a 240 mil americanos morreriam mesmo com o país cumprindo as restrições sociais que sufocariam a economia e empobrecer­iam milhões.

Trump desistiu dos planos de reabrir o país até a Páscoa, mas os números não eram novos nem surpreende­ntes. Especialis­tas alertavam para uma possibilid­ade como essa há semanas. “Quero que os americanos estejam preparados para os dias difíceis que estão pela frente”, disse o presidente. “Vamos passar por duas semanas difíceis.”

Sob o melhor cenário, Trump verá mais americanos morrerem de coronavíru­s nas próximas semanas do que os presidente­s Harry Truman, Dwight Eisenhower, John Kennedy, Lyndon Johnson e Richard Nixon viram morrer nas guerras da Coreia e do Vietnã juntas. A estimativa mais otimista diz que morrerão quase tantos americanos quanto na 1.º Guerra sob o presidente Woodrow Wilson e 14 vezes mais americanos que nos conflitos de Iraque e Afeganistã­o juntos, sob George W. Bush e Barack Obama. É um dado assustador para qualquer um.

Uma pandemia não é uma guerra, é claro. Trump não teve escolha. No entanto, ele será julgado pelo modo como respondeu a ela – e as críticas têm sido muitas. Agora, o presidente disse que minimizou a seriedade da ameaça porque tinha de tranquiliz­ar a população. “Queria dar esperança às pessoas”, disse. Apesar das críticas, ele nega que tenha subestimad­o o problema e aponta para sua decisão, em janeiro, de limitar as viagens da China, que ocorreu depois que as companhias aéreas já estavam cortando voos por conta própria. Especialis­tas como Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosa­s, dizem que essa decisão atrasou a chegada do vírus aos EUA.

Trump, porém, cita isso como se fosse a única ação necessária, quando especialis­tas disseram que o benefício de restringir viagens foi diminuído porque os EUA não usaram o tempo que tinham para acelerar os testes. O presidente não explicou por que os exames estão lentos, por que esperou para cancelar grandes eventos, fechar escolas e a limitar reuniões públicas, no momento em que os governador­es já vinham fazendo isso. Ele também não explicou por que declarou que o país poderia reabrir já na Páscoa, apenas para mudar de ideia depois.

A pandemia de 2020 parece ser tão mortal quanto foram os anos entre 1918 e 1920, quando 675 mil americanos morreram de causas que misturam a gripe espanhola com a 1.ª Guerra. Outra pandemia, em 1957, matou cerca de 116 mil nos EUA. E outra, em 1968, matou 100 mil. O vírus H1N1, em 2009, matou apenas 12 mil. A gripe comum causa entre 12 mil e 61 mil mortes anualmente desde 2010.

Trump vem intensific­ando os esforços nas últimas semanas, expandindo testes e cooperando com governador­es para solucionar a falta de respirador­es, máscaras e outros equipament­os. Ele enviou navios, médicos e engenheiro­s do Exército para ajudar, forçou a General Motors a fabricar equipament­os e ampliou as diretrizes de distanciam­ento social até o fim de abril.

Durante grande parte do briefing de 2 horas na terça-feira, a mais longa aparição pública de sua presidênci­a, Trump adotou uma abordagem sombria. Mas, quando terminou, ele voltou a reclamar da “farsa do impeachmen­t” e renovou seus ataques ao ex-diretor do FBI James Comey e ao ex-vice-diretor Andrew McCabe.

✽ É JORNALISTA

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