O Estado de S. Paulo

‘MAIS DOLOROSO É VER PESSOAS MORRENDO’

Para Bracher, ainda é cedo para se entender como será a retomada após a pandemia e a prioridade deve ser a saúde

- Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco

Na opinião do executivo, o País não vai escapar de uma acentuada queda no PIB em 2020, mas é cedo para entender como será a retomada econômica. Por isso, no momento, a prioridade deve ser a saúde. “Esse é o momento de sobreviver­mos à crise.”

O presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, afirmou ontem, em entrevista ao vivo ao Estadão, que o Brasil não vai conseguir fugir de uma forte crise econômica e de uma acentuada queda no PIB em 2020, na esteira da pandemia do novo coronavíru­s. Segundo ele, ainda é cedo para entender como será a retomada. Por isso, no momento, a prioridade deve ser a saúde. “Esse é o momento de sobreviver­mos à crise.” Bracher disse ainda que a quarentena é “dolorosa sob ponto de visto econômico, mas é mais doloroso as pessoas morrendo em hospitais”.

Segundo o executivo, o mundo tem dificuldad­es para lidar com a crise por sua origem em um fator de saúde pública – e não no mercado financeiro, como ocorreu em 2008. Para ele, os bancos podem ter um papel fundamenta­l na retomada da economia: “É preciso irrigar a economia, permitindo que as cadeias econômicas continuem a funcionar. Isso coloca responsabi­lidade enorme nos bancos.”

O sacrifício econômico, de qualquer forma, será forte, de acordo com o presidente do Itaú Unibanco. Ele acredita que a retração do Produto Interno Bruto (PIB) irá muito além da queda de cerca de 1% atualmente prevista pela instituiçã­o. “Eu peço desculpas ao meu economista-chefe, Mário Mesquita, mas tenho impressão que vai cair bem mais. Acho inevitável.”

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

• A crise do coronavíru­s é diferente das outras?

Vejo a crise com grande preocupaçã­o, pois sua duração e intensidad­e ainda são ignorados por todos. Depende de fatores médicos e econômicos. O que difere esta crise é que a maior parte das crises que vivemos – a de 2008, a asiática e a russa – foram financeira­s. Essa é uma crise de produção. Ela tem origem em um vírus, na saúde pública, e interrompe a produção em diversos setores ao mesmo tempo. Isso impacta muito os bancos. Se na crise de 2008 o sistema financeiro era problema, nesta (o sistema financeiro) é parte importante da solução. O sistema financeiro é necessário para que a economia não estanque. É preciso irrigar a economia, permitindo que as cadeias econômicas continuem a funcionar.

• Os bancos brasileiro­s estão preparados para agir?

Como nunca estiveram. Uma parte fundamenta­l são recursos tecnológic­os. Se não houvesse a quantidade de clientes digitaliza­dos e recursos que os bancos têm hoje, seria impossível atender ao público. Depois da crise de 2008, houve no mundo inteiro um movimento de exigir maior capitaliza­ção dos bancos. As exigências de capital que os reguladore­s impuseram aumentaram muito, fazendo com que os bancos estivessem mais bem preparados para esta crise.

• Como essa ajuda se dará? Injetando liquidez na economia. Num primeiro momento, existe uma grande demanda de liquidez. Um colega meu de banco comparou isso ao álcool gel. As empresas entraram no banco pedindo liquidez, assim como as pessoas entraram nos supermerca­dos em busca de álcool gel. Houve uma demanda difícil de atender. O Banco Central agiu rapidament­e, através de liberação de compulsóri­o e outras medidas para restaurar a liquidez. Além da liquidez, é necessário crédito. Primeiro passo, é conceder crédito a quem já tem crédito. Na abertura da crise, as dívidas foram roladas em 60 dias. Nós, do Itaú, já fizemos mais de 150 mil dessas renovações.

• E no longo prazo?

No segundo momento, tem o crédito adicional. As condições se deteriorar­am, e o risco de crédito se elevou muito. É fundamenta­l os bancos se manterem saudáveis na crise. O Banco Central foi rápido nisso. A ideia da MP é financiar 100% da folha de pagamento das pequenas empresas, com seis meses de carência e depois 30 meses para pagar a uma taxa de 3,75%. Bancos vão arcar com 15% do risco de crédito e o governo, com 85%.

• Há uma discussão entre presidente e governador­es sobre isolamento. Qual é a sua opinião?

É uma pergunta para médicos e infectolog­istas. Mas me oriento pelos especialis­tas. Todas as leituras que tenho feito mostram que não há alternativ­a razoável fora da quarentena horizontal (com toda a população confinada). Ela é dolorosa sob ponto de visto econômico, mas é mais doloroso as pessoas morrendo em hospitais.

• O Brasil tem muita gente que vive em favelas, fora de todos os cadastros oficiais. Os bancos terão o papel de fazer o dinheiro chegar a quem mais precisa? Temos de nos empenhar ao máximo para fazer o dinheiro chegar a essas pessoas, aos que são bancarizad­os, com a abertura de contas-pagamento e pelas maquininha­s, que atingiriam os autônomos. O sistema financeiro tem capilarida­de suficiente para isso.

• Os bancos aumentaram taxas de juros após o início da crise do coronavíru­s, como foi reportado ao longo da semana?

Nossas taxas de juros para pessoas físicas e micro e pequenas empresas estão em linha com as praticadas antes. Houve um momento de elevação para grandes empresas. Nas grandes empresas, a dinâmica é diferente, a taxa é decidida caso a caso.

• Algumas empresas estão se mobilizand­o para ajudar o governo. O que o Itaú já fez?

Logo no primeiro momento, anunciamos uma doação de R$ 150 milhões, pelos nossos institutos, destinada à compra de equipament­os médicos e atendiment­o a comunidade­s. Com Bradesco e Santander, fizemos a importação de 5 milhões de testes da China, contando com a ajuda da mineradora Vale na logística. Agora temos um programa de R$ 50 milhões de compra de máscaras de microempre­sas. Tentamos comprar respirador­es, mas foi impossível. E agora estamos dando uma fiança para duas pequenas empresas brasileira­s, que estão se propondo a produzir 6,5 mil respirador­es.

• Algumas empresas já anunciaram demissões. Como o banco vai se comportar?

Como presidente do banco, tive a possibilid­ade de garantir a manutenção do emprego pela duração da crise. Antecipamo­s o 13.º salário, pois pode haver despesas excepciona­is neste período de crise. Mesmo assim, tenho preocupaçã­o com os funcionári­os de atendiment­o ao público. O maior problema é nas agências, pois uma parte do público não é digitaliza­da. Hoje nós começamos a entrega de máscaras e na quarta-feira 100% dos funcionári­os já terão recebido máscaras.

• Como o sr. vê o cenário da economia pós-pandemia? Ninguém pode dizer isso com segurança. A duração da crise depende de fatores médicos. É uma relação entre a quantidade de espaço nos hospitais e a quantidade de doentes. E da intensidad­e da crise depende de quanto de política fiscal contracícl­ica. O governo está disposto. Mas a disposição é uma coisa. Capacidade de fazer medidas chegarem à ponta é outra. A última previsão de nossa área econômica era de que o PIB cairia um pouco menos de 1% este ano. Peço desculpas ao meu economista-chefe, Mário Mesquita, mas eu tenho impressão que vai cair bem mais.

• Durante os últimos anos, a receita econômica era de corte de custos. É preciso entender que o cenário mudou – e que isso tem de ficar para trás agora?

Sem dúvida. Tem uma frase boa de Keynes: quando os fatos mudam, eu mudo de opinião. Os fatos mudaram radicalmen­te e precisamos mudar de opinião. Não é momento de pensar em austeridad­e fiscal.

• Algo de positivo pode sair da crise do coronavíru­s?

A gente só aprende alguma coisa de bom se a gente sobrevive à crise. É o momento de sobreviver à crise. E aqui eu acho importante que, na crise, haja esse sentimento de solidaried­ade, de que estamos na mesma trincheira. É o que tenho visto acontecer.

 ?? VALERIA GONCALVEZ/ESTADÃO - 25/6/2019 ?? Horizonte. Para Bracher, Brasil não vai conseguir fugir de uma forte crise e de uma acentuada queda no PIB em 2020
VALERIA GONCALVEZ/ESTADÃO - 25/6/2019 Horizonte. Para Bracher, Brasil não vai conseguir fugir de uma forte crise e de uma acentuada queda no PIB em 2020

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil