CEMITÉRIOS COMEÇAM A SE PREPARAR
Na Vila Formosa, sepultamentos diários tiveram aumento de 45% e a Prefeitura contratou 220 coveiros para compensar afastamentos
Cemitério da Vila Formosa, em SP, o maior da América Latina, recebe vítimas da covid-19 ou de suspeitos de ter morrido da doença; Prefeitura contratou 220 coveiros.
O aumento das mortes em decorrência do coronavírus em São Paulo modificou a rotina do cemitério da Vila Formosa, o maior da América Latina. Funcionários relatam que o número de enterros diários saltou de 40 para 58 nas últimas semanas, o que significa uma elevação de cerca de 45%. Metade deles relacionada à covid-19. Além disso, os enterros são mais rápidos, a toque de caixa, com menos de dez minutos.
Uma foto aérea de mais de 150 covas rasas abertas repercutiu ontem, após chegar à capa do jornal americano Washington Post. Segundo funcionários, a alta demanda de sepultamentos tem exigido a abertura de cerca de 90 covas por dia, o dobro do habitual. Já a Prefeitura afirma que são abertas 100 covas a cada três dias, o padrão, independentemente da pandemia.
Segundo o Município, as sequências de novas valas servem para “auxiliar na agilidade dos sepultamentos e cada necrópole tem dinâmica própria”.
Só anteontem foram 57 enterros no Vila Formosa. Ontem, mais 52. Os números dos últimos dias superam a média de 40 antes dos tempos de pandemia. “Trabalho aqui há mais de 20 anos. Não me lembro de uma situação como essa”, diz um dos coveiros mais experientes.
No fim da tarde de ontem, os caixões chegavam com tanta rapidez que os sepultadores tiveram de pedir alguns minutos para terminar um que já ocorria, antes do seguinte. A família teve de esperar. Um dos enterros foi o do aposentado Carlos Eduardo Florencio, de 65 anos. Participaram só duas pessoas, o genro e o cunhado. “O caixão estava fechado, sem visor para vermos seu rosto. A madeira estava lacrada. Na hora da identificação, o corpo estava num saco”, diz o genro, que se identificou como Robson Pereira.
Seu Carlos tinha problemas respiratórios e cardíacos. Ele se sentiu mal, com dificuldades para respirar na terça-feira. Deu entrada no hospital às 20h30 e morreu após uma hora. Segundo Pereira, só uma pessoa foi autorizada pelo Sistema de Verificação de Óbitos a ir ao enterro. Diabética, mas sem sintomas de covid, a mulher de Carlos não foi ao enterro. “É muito ruim ter de despedir assim tão rapidamente. E agora vou ter de fazer quarentena”, diz o genro.
Desde o dia 20, enterros solitários e sem qualquer cerimônia são frequentes. Norma da Secretaria Estadual de Saúde diz que todas as mortes com qualquer suspeita de covid-19 devem seguir protocolo rígido para segurança dos profissionais que lidam com cadáveres.
Mas nem isso tranquiliza os profissionais do cemitério. A chegada de um cortejo com morto por coronavírus na Vila Formosa causa apreensão. “Põe a máscara e o capuz que vem um de corona”, avisa um dos coveiros. Com máscaras e luvas, os familiares mantêm distância; nem todos ficam à beira da cova para o último adeus.
Além das covas, a Prefeitura contratou 220 coveiros por seis meses para compensar o afastamento de 60% do efetivo (de 257), formado por idosos (grupo de risco), além de possível alta no total de óbitos. Cinco mil sacos plásticos impermeáveis foram comprados para envolver os corpos de vítimas ainda no hospital.
Em caso de dificuldades dos municípios na liberação de corpos pelos serviços funerários, causando superlotação, a Secretaria Estadual da Segurança Pública cogita usar contêineres refrigerados locados para abrigar corpos de vítimas de mortes violentas ou suspeitas de crime, cuja necropsia é feita no IML.
Particulares. Já em cemitérios particulares, o avanço do coronavírus não interferiu até agora no volume de enterros ou na procura por jazigos, segundo relatam representantes do setor. Mas também há mudanças.
No Parque das Cerejeiras, na zona sul, missas, palestras e exumações estão suspensas desde a semana passada para evitar aglomerações. No administrativo, vendas presenciais estão interrompidas. No Cemitério Gethsemani, no Morumbi, o administrador Nelson Oliveira diz que a pandemia pouco mudou a rotina de três a cinco enterros por dia.
Despedida
“Se a família quiser muito, a gente só abre o caixão por pouco tempo, em um lugar apropriado para isso. Mas não houve nenhum caso.” FUNCIONÁRIA DO CEMITÉRIO DO CARMO, EM ITAQUERA, ZONA LESTE