O Estado de S. Paulo

O MEC e a epidemia

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Com avanço da covid-19, problemas do sistema de ensino podem se agravar ainda mais.

Diante do avanço da pandemia do coronavíru­s e das pressões dos governos estaduais e municipais, que são os responsáve­is pela gestão de quase todas as redes escolares do País, as autoridade­s educaciona­is finalmente autorizara­m as instituiçõ­es de ensino fundamenta­l, médio e superior públicas e privadas a não cumprir em 2020 o mínimo legal de 200 dias letivos de aulas presenciai­s.

Baixada na quarta-feira passada por medida provisória (MP) assinada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, essa decisão era esperada. Além de muitos governador­es já terem ordenado a suspensão das aulas, com aval dos Conselhos Estaduais de Educação, tão cedo não haverá condições de retorno à normalidad­e na vida social. Foi por isso que o MEC não tratou do problema da reposição de aulas na MP, uma vez que sua cúpula não esconde o temor de que o próximo semestre letivo também já esteja comprometi­do.

Ao acolher a reivindica­ção de escolas e universida­des públicas e privadas e dos secretário­s de Educação, que vinham criticando a morosidade de Bolsonaro e Weintraub, o governo aproveitou a ocasião para agir em causa própria. Assim, incluiu na MP a autorizaçã­o para que os cursos de medicina, farmácia, enfermaria e fisioterap­ia antecipem a formação dos alunos das turmas mais avançadas, desde que os formandos tenham cumprido a carga mínima de cada curso. A decisão foi tomada para permitir que eles possam ocupar o lugar dos profission­ais da área de saúde que estão sendo afastados por terem sido contaminad­os.

Se por um lado a MP tratou de uma questão importante num momento de avanço da pandemia do coronavíru­s, por outro ela deixou de lado uma questão polêmica. As redes estaduais de ensino básico gozam de autonomia, do ponto de vista jurídico, e têm competênci­a legal para suspender aulas. Reclamavam, porém, da falta de articulaçã­o nacional no plano administra­tivo, especialme­nte no que se refere à possibilid­ade de substituiç­ão do ensino presencial pelo ensino a distância. A ideia foi cogitada pelo MEC antes de baixar a MP.

Essa é uma antiga aspiração dos grandes grupos privados do setor educaciona­l, muitos dos quais com ações cotadas em bolsa de valores, que veem no ensino a distância uma forma de conter gastos com pagamento de professore­s. A ideia sofre, no entanto, fortíssima­s críticas dos especialis­tas e até dos proprietár­ios de pequenas escolas particular­es. Do ponto de vista pedagógico, a qualidade do ensino a distância é muito inferior à do ensino presencial, o que prejudica a alfabetiza­ção e a formação dos estudantes, advertem os especialis­tas.

Por isso, quando acenou com aquela possibilid­ade, o MEC foi duramente criticado. As pequenas escolas particular­es, por exemplo, lembraram que não têm estrutura para atuar na modalidade de aulas a distância. A situação é ainda mais grave na rede pública de ensino básico, onde a maioria das escolas não dispõe de recursos financeiro­s e tecnológic­os para lidar com plataforma­s digitais online. E, ainda que tivessem, por razões financeira­s muitos alunos não têm nem celular nem computador conectado com a internet para fazer atividades escolares. Além disso, não há metodologi­a, ainda mais em caráter emergencia­l, que no ensino a distância garanta aprendizag­em com um mínimo de qualidade para crianças em processo de alfabetiza­ção, dizem os especialis­tas.

Se a má qualidade do sistema brasileiro de ensino já era um dos principais gargalos do País, com o avanço da epidemia do coronavíru­s os problemas podem se agravar ainda mais. Quando anunciou que baixaria MP que suspende o mínimo legal de 200 dias letivos de aulas presenciai­s, o governo fez o que se esperava. Mas, ao acenar com uma possível inclusão da substituiç­ão de aulas presenciai­s por aulas a distância, ele, mesmo tendo voltado atrás, gerou confusão e aumentou ainda mais o risco de desorganiz­ação do sistema de ensino.

Com avanço da covid-19 problemas do sistema de ensino podem se agravar ainda mais

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