O Estado de S. Paulo

‘O INVESTIMEN­TO NA CULTURA REVERTE EM SAÚDE’

- /MARCELA PAES

Fundado há 33 anos, o Itaú Cultural segue um caminho de retomada de suas origens após a pandemia da Covid-19. Pensado originalme­nte para ser uma plataforma online, a instituiçã­o agora voltou grande parte de seus esforços para a produção de conteúdo virtual. Para Eduardo Saron, gestor do IC e diretor do MAM, medidas como alterações nos mecanismos da Lei Rouanet e Proac, além de uma taxa menor de juros nas linhas de financiame­nto especiais para economia da cultura – direcionad­a a pequenos produtores – são medidas que podem ajudar o setor cultural durante o período de isolamento. Leia abaixo a entrevista.

Como vocês estão se organizand­o no Itaú Cultural? Mudaram muita coisa?

A gente está fazendo uma guinada para reencontra­rmos com mais intensidad­e a própria origem do Itaú Cultural. Se você for pensar, a origem do Itaú Cultural há 30 anos era, o desejo do Olavo Setúbal era de que fosse uma grande plataforma virtual. Tudo começou inclusive com a base de dados virtuais, que hoje é a enciclopéd­ia de arte e cultura brasileira. Já estávamos nesse processo de aumentar os produtos virtuais e nesse momento tudo se acelerou.

A produção do conteúdo

atual agora se voltou totalmente para o virtual?

Temos conteúdo virtual a cada segundo, cada momento é um novo conteúdo virtual. E há um ano também já fazíamos bastante home office. Claro, nem tudo dá pra ser feito à distância. Tem coisas que você precisa de pesquisa de campo, por isso já estamos adiando coisas para 2021.

O que, por exemplo?

Ainda estamos vendo. As ocupações (projeto que exibe acervos de artistas e pensadores brasileiro­s), por exemplo, vamos ter que adiar... É um projeto que precisa de pesquisa de campo, manejo de documentos... E não só a pesquisa, mas higienizaç­ão, organizaçã­o desse material, digitaliza­ção. A da Tatiana Belinky seria no final do ano e ficou pra 2021. Mas, na outra mão, aumentamos muito a produção virtual.

Já existem novos projetos pensados exclusivam­ente pro virtual?

Na semana que vem vamos lançar uma sequência de micro editais. Os artistas vão ter a possibilid­ade de escrever conteúdos que possam fazer virtualmen­te, como uma apresentaç­ão circense em sua própria casa, uma leitura dramática. Teremos recursos de até R$ 10 mil por projeto. Teremos editais para música, para artes cênicas educação cultural para crianças. Isso tudo de maneira virtual. O público poderá ver ao vivo ou depois no sites e nossas redes sociais. Já tivemos aumento nos acessos do site.

Vocês já notaram aumento nos acessos do site?

Sim. Ainda não tenho esse comparativ­o porque nós estamos na primeira quinzena, mas o número de acessos no nosso site aumentou bastante, também o número de acessos à enciclopéd­ia do Itaú Cultural... Quando fecharmos o primeiro mês após o isolamento, vamos conseguir um comparativ­o mais preciso do número de acessos após a quarentena...

A forma como as pessoas consomem cultura vai mudar após esse período?

Sim. Eu acho que nada mais será como antes. Acho que o mundo artístico vai ter que se reposicion­ar para defender a cultura e a arte. Investir em cultura significa a longo prazo, menos necessidad­e de recursos para segurança pública, menos necessidad­e de recursos para saúde, para educação. Já existem evidências disso.

Isso não vai enfrentar barreiras na sociedade? Antes da pandemia recursos para o setor cultural, como a Lei Rouanet, já eram criticados.

A gente precisa fazer esse movimento. Quanto mais conseguirm­os provar que cultura impacta questões como saúde, segurança e educação, mais teremos apoio. O ser humano precisa da poética, precisa da imaginação. É isso que nos diferencia. É isso que nos faz seres humanos. Mas num momento de tamanha carência de recursos, precisamos poder provar isso de maneira científica.

Qual seria a ligação direta entre a cultura e esses aspectos citados?

Uma análise de custo-benefício de ser investir em arte foi feita a partir do programa de prescrição social Artlift,

na Inglaterra. Foram contadas as consultas no ano anterior e no ano seguinte após um artista ter visto pacientes que sofriam de depressão e ansiedade; o resultado mostrou que as taxas de consulta caíram 37% e as taxas de hospitaliz­ações em 27%. O investimen­to na cultura reverte em saúde.

Como avalia as medidas que o governo federal está tomando para ajudar o setor cultural neste momento?

Foram lançadas linhas de financiame­nto especiais para economia da cultura, mas a taxa de juros poderia ser menor para o micro produtor, que é o iluminador, a pessoa que está no backstage e até artistas menores. Esses precisam de recursos para seu dia a dia. O Proac e a Lei Rouanet também poderia permitir alterações nos projetos na era do corona, como aumentar o porcentual de recursos captados para a empregabil­idade de pessoas. Muitos editais, por exemplo, também não previam atividades feitas virtualmen­te. Outra questão fundamenta­l seria a liberação dos recursos da loteria pro Fundo Nacional de Cultura. São cerca de R$ 400 milhões por ano. A Secretária da Cultura, Regina Duarte, pode, por exemplo, lançar editais com esses recursos da loteria, que não são recursos do Tesouro.

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