À FRENTE DO SEU TEMPO
Com técnicas de marketing atuais, C. J. Walker criou um império da beleza em meados de 1910. Sua história virou série
Se Madam C. J. Walker tivesse nascido neste século, sua história estaria registrada com uma manchete que seguiria a linha: “Após sofrer com doença capilar, mulher cria empresa de cosméticos para cabelo e fatura US$ 1 milhão”. O feito, nos dias de hoje, já seria admirável. Mas a empreendedora afro-americana conquistou essa reputação no início do século 20, com o começo de sua jornada como empresária da indústria da beleza.
A trajetória de sucesso de Sarah Breedlove – seu nome de registro – já ganhou as páginas do
Guinness Book como a primeira mulher afro-americana a ficar milionária por conta própria (sem herança ou patrimônio do marido) e acaba de virar minissérie da Netflix: A Vida e a História de Madam C. J. Walker, protagonizada por Octavia Spencer.
Em entrevista ao Estado, A’Lelia Bundles, bisneta de C. J. Walker e autora do livro Self
Made, que inspirou a série da Netflix, resume a grandeza e o legado da empreendedora. “Ela sabia que simplesmente vender produtos e acumular uma fortuna não eram suficientes. Ela usou sua riqueza e influência para ajudar sua comunidade como filantropa, patrona das artes e ativista política que apoiou o sufrágio feminino e o movimento antilinchamento”, diz.
C.J. Walker também criou riqueza geracional para famílias afro-americanas, porque seus agentes puderam comprar casas, investir em imóveis e educar seus filhos. “Isso foi particularmente importante no momento em que as mulheres negras tinham muito poucas oportunidades, a não ser como trabalhadoras rurais, empregadas domésticas, criadas, cozinheiras e lavadeiras.”
Filha de pais escravos, C.J. Walker trabalhou, ainda criança, em plantações de algodão.
Casou-se pela primeira vez aos 14 anos e teve sua única filha, A’Lelia. Após a morte do marido, mudou-se para St. Louis e começou a trabalhar como lavadeira, recebendo cerca de US$ 1,50 por dia. Foi nessa época que Sarah adquiriu uma doença no couro cabeludo que quase a deixou sem nenhum fio de cabelo.
“Cabelo é poder”, diz a personagem de Octavia no primeiro de quatro episódios da série. E foi assim que C.J. Walker começou uma verdadeira revolução. Formou um exército de mulheres que seriam as responsáveis por vender seus produtos pelos Estados Unidos.
Licença poética. Foi como revendedora dos produtos capilares criados por Annie Malone, outra notável empreendedora negra, que C.J. Walker começa sua trajetória na indústria da beleza. A série da Netflix não retrata a relação de C.J. e Annie. Pelo contrário. Na história, a personagem fictícia Addie Monroe é a principal rival de C.J. e as duas protagonizam episódios de rivalidade prejudicial aos negócios de ambas. Na vida real, Addie e C.J. trabalharam juntas e cravaram seus nomes de forma positiva como mulheres empreendedoras à frente de seu tempo.
Em 1905, C.J. se mudou para Denver para atuar como revendedora dos produtos de Addie. Lá conheceu seu terceiro marido, o jornalista Charles Joseph Walker, que deu origem ao nome Madame C.J. Walker.
Não há informações precisas sobre a transição de revendedora para dona da própria marca. De acordo com os registros oficiais, em 1910, C.J. Walker já havia percorrido todo o sul e o sudeste negro dos Estados Unidos vendendo o Wonderful Hair Grower, uma fórmula de condicionamento e cura do couro cabeludo.
Ela reunia mulheres em igrejas para demonstrar seus produtos e também os vendia de porta em porta. Além de uma fábrica para produzir a linha de cosméticos, ela criou uma escola de beleza e uma rede de salões, que espalharam o tratamento capilar criado por ela. Esses eram os negócios da Madam C.J. Walker Manufacturing Company.
Além de levar seu nome, os rótulos dos produtos estampavam sua imagem. Na série, o marido de C.J. Walker cria uma campanha publicitária para a rede de salões que ela está prestes a abrir. A “Garota Walker” era o retrato de uma jovem negra magra e com traços finos, que nada representava a imagem da criadora. Na série, ela primeiro se abala com a possibilidade de vender a imagem proposta pelo marido. Depois, a rejeita e estampa seu rosto nos produtos. Não sabemos se isso aconteceu. Mas sabemos da convicção da empreendedora em apostar na beleza real e no body positive, conceitos hoje largamente utilizados na publicidade.
Para A’Lelia, C.J. Walker sabia que o marketing era essencial nos negócios. “Ela viajou bastante e ilustrou suas palestras usando um dispositivo chamado estereóptico, semelhante às apresentações de PowerPoint de hoje. Muito antes da televisão ou dos computadores, ela atraiu grandes audiências enquanto viajava de cidade em cidade. Tenho certeza de que teria aproveitado todas as plataformas de mídia social.”
Para ganhar escala, C J. construiu a própria fábrica, em Indianápolis. A incansável busca por investidores para colocar a fábrica de pé é comovente. Nos episódios que retratam a aproximação dela com empresários negros notáveis da época, a negativa sobre o investimento vinha em forma de machismo. “Seu produto é fútil”, diz um empresário. “Mulheres não podem ser mais importantes do que seus maridos”, diz outro.
Perguntei para A’Lelia quais seriam as dificuldades que C. J. Walker enfrentaria para abrir seu negócio hoje. “Ela enfrentaria alguns dos mesmos desafios, mas também teria ferramentas de marketing e distribuição que não estavam disponíveis para ela na época.”
Madam C.J. Walker morreu em 1919, aos 51 anos. No ano de sua morte, seus bens tinham valor estimado entre US$ 600 mil e US$ 700 mil (US$ 8,9 milhões ou US$ 10,4 milhões em 2020, de acordo com seu site oficial). A combinação de seus bens pessoais e o valor de seus negócios superou US$ 1 milhão (US$ 14,9 milhões em 2020). A Madam C.J. Walker Manufacturing Company encerrou as atividades em 1981. Hoje, os produtos da marca são vendidos exclusivamente pela Sephora.