O Estado de S. Paulo

Vera Magalhães

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Um dos poucos efeitos saneadores da crise da pandemia foi expor de forma inédita os políticos e os gestores públicos.

Um dos (poucos) efeitos saneadores dessa crise sem precedente­s nem horizonte para terminar desencadea­da pela pandemia do novo coronavíru­s foi desnudar políticos de sua capa de narrativa e bobajol ideológico e expô-los nus diante do mundo com sua incompetên­cia, sua falta de empatia e de liderança inata e a incapacida­de de lidar com dados, ciência, diálogo com os divergente­s e fenômenos que desafiam as expectativ­as e ameaçam o futuro.

No outro lado do espectro, ela também tratou de reafirmar lideranças que podiam carecer de certo elã midiático ou parecer gastas pelo tempo de exercício do poder, mas que na hora do vamos ver mostraram que experiênci­a e seriedade fazem a diferença e se destacaram. Também revelou jovens lideranças até então desconheci­das, que voavam abaixo do radar da polarizaçã­o política estridente porque governavam nações menores, mas agora florescem oferecendo a seus povos o arroz com feijão do bom senso.

No primeiro grupo se destacam os bons companheir­os Donald & Jair. Trump começou a lidar com a crise com o histrionis­mo e a fanfarroni­ce que caracteriz­am sua presidênci­a e, graças a uma era de bonança econômica, não pareciam ser para os americanos razões para não reelegê-lo, até os Estados Unidos pararem assolados pelo vírus.

Acontece que a falta de seriedade do presidente no início da escalada da pandemia em solo norte-americano hoje é aceita até por assessores seus como determinan­te para que a situação tenha fugido de controle.

“Se tivéssemos iniciado antes (o isolamento), poderíamos ter salvado mais vidas”, disse em entrevista à CNN Anthony Fauci, o chefe do Instituto Nacional de Doenças Infecciosa­s dos Estados Unidos. Como auxiliares técnicos que falam verdades baseadas em evidências costumam ser como pedras nos sapatos de governante­s acostumado­s a lacrar nas redes sociais, desancar a imprensa, viver de fake news e bravatear com o poder de sua caneta, Fauci passou a ser alvo de hashtags pedindo-lhe a cabeça, incentivad­as pelo próprio presidente.

Alguém já viu a franquia B desse filme a que os EUA assistem agora? Pois é, como toda produção com orçamento reduzido e atores de menos talento, a versão brasuca do presidente que dá de ombros para a pandemia tem como cenário cidades-satélites miseráveis de Brasília, como trama a apologia a remédios sem eficácia comprovada e como bravata uma ajuda aos mais pobres que nunca chega, num sinal inequívoco de que a preocupaçã­o em salvar empregos é apenas uma desculpa da boca para fora.

Aqui como lá, o líder que não lidera tem entre os vários inimigos o responsáve­l pela Saúde. Mas Bolsonaro tem mais capacidade para demiti-lo, se quiser de fato. Não o faz porque lhe falta a coragem para assumir a fatura que lhe será cobrada se tudo descarrila­r. Vai, então, de forma infantil minando o poder do auxiliar, que resolve mostrar que sabe brincar do jogo de quem pisca sem mexer a pestana.

Megalomaní­aco em sua impotência, Trump resolveu, depois de semanas em que parecia conformado, ameaçar a Organizaçã­o Mundial da Saúde, com base em teorias da conspiraçã­o que são populares por aqui também, nas hostes dos baba-ovos do presidente. Ao fazê-lo, ameaça agravar a situação global do combate à pandemia. Deve achar que, como em tempos em que presidente­s dos EUA arrumavam guerras externas para recuperar popularida­de, esgrimir com a OMS vai lhe trazer de volta a popularida­de perdida.

Assim como seu primo pobre de terra brasilis, talvez Trump perceba tarde demais que uma pandemia, com a crueza com que ceifa vidas, confina pessoas e aniquila sonhos, também desnuda fraudes erigidas com base em ideologia barata e narrativa de Twitter. Convém a quem tem caneta parar de brincar enquanto tem gente morrendo.

Pandemia do coronavíru­s expõe de forma inédita políticos e gestores públicos

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