O Estado de S. Paulo

Contra Maia, Bolsonaro oferece cargos a partidos

Presidente faz gesto a bloco informal formado por PP, PL, PSD e Republican­os em troca de sustentaçã­o no Congresso; legenda do presidente da Câmara fica fora das tratativas

- Vera Rosa / BRASÍLIA

Para tentar isolar o DEM, de Rodrigo Maia (RJ), o presidente Jair Bolsonaro busca montar uma base de sustentaçã­o parlamenta­r com o antigo Centrão oferecendo cargos em troca de votos. Desde março, Bolsonaro vem se reunindo com presidente­s e líderes de partidos como PP, PL, PSD e Republican­os. Mas não convidou o DEM, que também integra o bloco.

Sem apoio no Congresso e com a popularida­de em queda, o presidente Jair Bolsonaro tenta agora montar uma base de sustentaçã­o parlamenta­r com o antigo Centrão, oferecendo cargos em troca de votos. A estratégia busca rachar o bloco ao isolar o DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), a quem Bolsonaro se refere como um político que age para promover o seu impeachmen­t.

Desde o mês passado, quando a crise do coronavíru­s se agravou e a demissão do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), entrou no radar, Bolsonaro começou a se reunir com presidente­s e líderes de partidos do grupo batizado como “Centrão raiz”, entre os quais PP, PL, PSD e Republican­os. Mas não convidou o DEM, que também integra o bloco.

Das fileiras do DEM, ele chamou apenas o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), de quem procura se reaproxima­r. Até agora não conseguiu, tanto que, ainda ontem, Alcolumbre suspendeu a análise da medida provisória (MP) que institui o contrato verde e amarelo, atendendo a pedido da oposição. Com a manobra, a medida enviada pelo governo para flexibiliz­ar direitos trabalhist­as vai caducar, uma vez que perde a validade na segunda-feira.

Convencido de que Maia quer “enfiar a faca” em seu pescoço para derrubá-lo, Bolsonaro decidiu mudar o modelo de articulaçã­o no Congresso e fechar alianças diretament­e com deputados e senadores que antes carimbava como representa­ntes da “velha política”.

O Estado apurou que o DEM perderá o comando da Companhia de Desenvolvi­mento dos Vales do São Francisco e da Parnaíba (Codevasf), que deve ser entregue ao PP do senador Ciro Nogueira. Além disso, a direção e as superinten­dências do Departamen­to Nacional de Infraestru­tura de Transporte­s (Dnit), hoje com militares, podem ficar com o PL de Valdemar Costa Neto. Em governos passados, o partido de Valdemar tinha o domínio da área de transporte­s.

Bomba-relógio. Na dança das cadeiras, o Banco do Nordeste também terá novos ocupantes. De acordo com líderes de partidos ouvidos sob a condição de anonimato, as negociaçõe­s envolvem, ainda, prioridade na liberação de emendas parlamenta­res para o combate à pandemia do coronavíru­s. Como mostrou o Estado, dos R$ 8 bilhões anunciados por Bolsonaro em março, apenas R$ 119 milhões (1,5%) saíram dos cofres públicos até agora.

Na avaliação de Bolsonaro há uma “bomba-relógio” fiscal em curso, armada por Maia, com o objetivo de ferir de morte sua gestão. Diante do que vê como “conspiraçã­o”, o presidente faz agora de tudo para esvaziar o poder de Maia.

O novo capítulo da queda de braço é o programa de socorro a Estados e municípios, aprovado pela Câmara, no valor de R$ 89,6 bilhões. O ministro da Economia, Paulo Guedes – que não fala mais com Maia – chegou a dizer que não se pode dar um “cheque

em branco” a governador­es de Estados mais ricos. Era uma referência a João Doria (São Paulo) e a Wilson Witzel (Rio), adversário­s de Bolsonaro e pré-candidatos ao Planalto, em 2022.

“Parece que a intenção é me tirar do governo. Quero crer que eu esteja equivocado”, disse Bolsonaro, na noite desta quinta-feira, em entrevista à emissora CNN Brasil. “Qual o objetivo do senhor Rodrigo Maia? Ele quer atacar o governo federal, enfiar a faca. (...) Está conduzindo o País para o caos”, atacou.

Dois dias antes, Maia já havia reclamado dos “coices” dados pelo Planalto. Desta vez, porém, reagiu às declaraçõe­s de Bolsonaro em outro tom. “Ele joga pedras e o Parlamento vai jogar flores”.

O líder do governo na Câmara, Vitor Hugo (PSL-GO), admitiu que a estratégia do governo vai mudar diante do excesso de críticas de Maia ao Executivo. “Estou sentindo do presidente e ministros uma disposição maior para interagir de maneira direta, sem que, necessaria­mente, (a negociação) tenha de passar pelos presidente­s das duas Casas”, afirmou ele, em entrevista publicada pelo Estado, numa referência a Maia e a Alcolumbre.

Para ACM Neto, presidente do DEM, a demissão de Mandetta e as críticas a Maia “degradaram” o apoio que ele ainda poderia ter no partido. “Nós enxergamos esses ataques como estratégia para desviar o foco, em razão da gravidade da crise”, disse ACM Neto ao Estado (mais informaçõe­s nesta página).

Mesmo com a saída de Mandetta, o DEM ainda controla dois ministério­s (Cidadania, com Onyx Lorenzoni, e Agricultur­a, com Tereza Cristina). Prefeito de Salvador, ACM Neto não quis tecer comentário­s sobre o loteamento do governo para obter apoio no Congresso. “Seria o caminho da desmoraliz­ação se o governo cedesse a qualquer tipo de ‘toma lá, dá cá’”, constatou. “Mas não me cabe fazer qualquer juízo de valor sobre a articulaçã­o de um governo que nunca teve articulaçã­o.”

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EVARISTO SA / AFP

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