O Estado de S. Paulo

Responsabi­lidade intransfer­ível

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Opresident­e da República, Jair Bolsonaro, terá de arcar com o peso de suas decisões sobre a vida de todos os cidadãos.

Ogoverno de São Paulo anunciou ontem a prorrogaçã­o da quarentena no Estado. O fechamento do comércio e de serviços não essenciais, que poderia ser suspenso no próximo dia 22 de abril, agora se estenderá até o dia 10 de maio. Segundo o governador João Doria, a medida é necessária em razão do iminente colapso do sistema hospitalar público ante a pandemia de covid-19. Em outros Estados, esse colapso já ocorreu.

Ou seja, o País começa a entrar na fase aguda da crise, com perspectiv­as funestas, o que demanda a ação rápida, decisiva e inteligent­e das autoridade­s no sentido de preservar vidas, mesmo que isso prejudique a economia – afinal, empresas podem superar prejuízos e trabalhado­res podem recuperar empregos, mas, como é terrivelme­nte óbvio, mortos não ressuscita­m.

Nenhum esforço regional, por mais competente que seja, é capaz de substituir a liderança federal no combate à pandemia. Por isso, a responsabi­lidade primária, irrenunciá­vel e intransfer­ível pela condução do País na crise é do presidente da República, Jair Bolsonaro, e ele terá de arcar com o peso de suas decisões sobre a vida de todos os cidadãos. O novo ministro da Saúde, Nelson Teich, assumiu essa mesma responsabi­lidade quando aceitou o cargo, e por isso mesmo o País acompanhou, atento, suas primeiras palavras, na esperança de encontrar ali um compromiss­o cristalino com a ciência e o bom senso.

O que se viu até aqui, porém, foi um ministro ciente de que ocupa um cargo político, a ele designado por questões exclusivam­ente políticas. Tratou de equilibrar-se entre a demanda de seu chefe para determinar o fim do isolamento social e o fato incontorná­vel de que esse isolamento é a única forma, hoje, de enfrentar a pandemia.

O ministro Teich se diz em “completo alinhament­o” com o presidente Bolsonaro, que considera exageradas as medidas de isolamento social, mas dias antes de ser nomeado publicou um artigo em que defendeu o isolamento como “a melhor estratégia no momento”. Ou seja: enquanto era apenas um profission­al de saúde, o doutor Teich reafirmava aquilo que todos os gestores de saúde sabem; quando se tornou ministro, assumiu o típico discurso político – que muito fala para nada dizer.

Para começar, o novo ministro declarou que é preciso “conhecer melhor” a doença a fim de criar estratégia­s para a volta à normalidad­e. Ora, é exatamente isso o que o mundo inteiro está tentando fazer há meses, ainda sem resultados. Segundo o ministro Teich, será necessário elaborar um amplo “programa de testes”, embora o Brasil esteja muito atrasado na aplicação desses exames, por variados motivos, e nada indica que essa situação mudará num futuro previsível.

Para piorar, Bolsonaro mandou suspender uma iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia, em parceria com operadoras de celular, para monitorar o fluxo de pessoas pelo País e assim identifica­r o nível de adesão à quarentena. Alegando um risco à privacidad­e inexistent­e nesse caso, o presidente dificulta a produção de informaçõe­s necessária­s para preparar o sistema de saúde. Desse jeito fica difícil “conhecer melhor” a doença, como quer o ministro da Saúde.

Assim, justamente no momento em que o País mais precisa de determinaç­ão e rumo, ante a expansão exponencia­l da pandemia, o novo ministro da Saúde tem a oferecer apenas palavras ditas sob medida para satisfazer Bolsonaro, que só confia naqueles que o adulam e cultiva antagonist­as como método de governança.

A missão do ministro Teich já não seria fácil de qualquer maneira, pois se está diante de um dos maiores desafios globais de saúde pública em um século. Mas essa missão será ainda mais árdua porque é preciso lidar também com um presidente que não acredita em resultados eleitorais chancelado­s pela Justiça Eleitoral, tampouco nos números da devastação na Amazônia, mas diz acreditar piamente na eficácia de um remédio contra a covid-19 que ainda está em testes; e esse presidente, ademais, encara o novo coronavíru­s não como uma emergência de saúde pública, mas como arma invisível usada por seus supostos inimigos – dos governador­es de Estado ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia – para derrubá-lo.

Temos, no entanto, grandes esperanças de que o ministro Nelson Teich saberá ultrapassa­r todos os obstáculos que contra ele já se erguem no caminho da superação desta crise global.

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