O Estado de S. Paulo

O day after da crise nos trará outro mundo, com outros hábitos e outra organizaçã­o dos setores produtivos.

- Adriano Pires

Em 1942, Joseph Schumpeter escreveu um livro chamado Capitalism­o, Socialismo e Democracia. Esse livro se transformo­u num clássico da literatura econômica e leitura obrigatóri­a. Aliás, em tempo de isolamento, vale citar o escritor Eduardo Agualusa: “Ler é a melhor maneira de contrariar o isolamento. Leitores não são ilhas. São universos em expansão”.

Em seu livro, Schumpeter introduz um conceito que me parece muito interessan­te explorar nestes tempos de coronavíru­s: o conceito de destruição criativa. Mas o que é destruição criativa? A destruição criativa define o processo que promove o cresciment­o da produtivid­ade. A produtivid­ade é a capacidade da sociedade de obter maior produção a partir de dado insumo. A destruição criativa seria a principal força por trás do progresso econômico. A criação e a destruição criativa andariam sempre juntas de mãos dadas. Segundo Schumpeter, “o processo de destruição criativa é o fato essencial do capitalism­o”. Ainda o autor: “É nisso que o capitalism­o consiste e no que deve se concentrar a preocupaçã­o de todo capitalist­a”.

A era do final da Guerra Civil até a entrada dos Estados Unidos na 1.ª Guerra Mundial foi a maior das eras de destruição criativa. Naquele momento, as ferrovias substituír­am os cavalos e as carroças como meio de transporte. O aço substituiu o ferro e a madeira. O país prosperou porque destruiu empregos e fechou fábricas, promovendo a geração de novos empregos e a abertura de novas fábricas. A destruição criativa é o preço da construção de uma nova sociedade. As regras de ouro garantidas pelo governo americano foram a proteção dos direitos de propriedad­e e a garantia da execução dos contratos.

O day after desta crise nos trará um outro mundo, com outros hábitos e outra organizaçã­o dos setores produtivos. O comportame­nto do consumidor e os modelos de negócio sofreram mudanças profundas. Viveremos uma destruição criativa schumpeter­iana.

O home office, os calls através do Skype, do Zoom, do Teams e outros vieram para ficar. Hoje, a Zoom vale 50% mais do que o conjunto de todas as empresas aéreas americanas. Os escritório­s serão remodelado­s tanto em tamanho como em horários de funcioname­nto. O modo de utilização de transporte­s coletivos como metrôs, ônibus e barcas será reinventad­o. As empresas aéreas mudarão suas operações, com a redução do número de viagens. A China deixará de ser a fábrica do mundo e os outros países, o shopping. O mundo não pode mais depender de um único supridor de bens essenciais como equipament­os hospitalar­es. A eficiência sem levar em conta a estratégia da sobrevivên­cia terá de ser totalmente repensada. A globalizaç­ão tende a se reduzir e, vendo isso, a China mesmo antes da crise já estava comprando empresas mundo afora em todos os setores.

O Brasil vai precisar se posicionar diante da nova globalizaç­ão e do livre-comércio. Será necessário promover uma espécie de Plano Marshall no setor de infraestru­tura, em particular no saneamento. Não dá para – nem podemos – conviver com comunidade­s ao lado de nossas casas sem água e sem condições mínimas de higiene sanitária. Caso contrário, teremos a covid-20.

O ‘day after’ desta crise nos trará um mundo com outros hábitos e outra organizaçã­o dos setores produtivos

O desafio econômico que traz a atual crise sanitária não tem igual na história moderna. Provavelme­nte, estamos inaugurand­o uma nova ordem mundial. No caso do setor de energia, apesar dos baixos preços do petróleo, não acreditamo­s que a transição energética sofra muitos adiamentos. Na nova ordem mundial todos os investimen­tos que tragam novas tecnologia­s e melhoras na qualidade de vida deverão ter prioridade. O que não é o caso da indústria do petróleo.

A crise nos colocou na frente de uma série de perguntas desafiador­as que precisam de respostas rápidas e novas. Respostas simples, porém nada fáceis. Mas a hora mais escura é sempre antes do amanhecer. Ou seja, há sinais de um futuro melhor.

O fato é que a ação do Estado terá de ser reformulad­a. Mas, como disse o pensador francês Luc Ferry, “vamos necessitar de muita pedagogia e, principalm­ente, de muita coragem dos nossos governante­s no pós-crise para retornar, docemente mas com firmeza, de Keynes a Schumpeter”.

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