O Estado de S. Paulo

Crise federativa pode ter consequênc­ias graves no combate à disseminaç­ão do vírus nas próximas semanas.

- Adriana Fernandes

Acoluna do dia 4 de abril alertou para o risco de a falta de uma coordenaçã­o nacional nas medidas de combate ao coronavíru­s provocar um rombo irreversív­el no chamado pacto federativo brasileiro.

De lá para cá, avançamos a passos largos na direção de um racha que coloca em lados opostos 25 governador­es, centenas de prefeitos de todo o País e lideranças parlamenta­res contra o governo Jair Bolsonaro.

Não dá mais para fazer vista grossa ao problema.

A crise federativa está no centro da velocidade de reação do Brasil à pandemia da covid-19 e pode ter consequênc­ias ainda mais graves no combate da disseminaç­ão do vírus mortal (sim, é preciso repetir mais um vez: não se trata de uma gripezinha) nas próximas semanas no País, mas também na fase que se seguir ao fim da quarentena.

É no pós-crise que o Congresso poderá votar projetos importante­s alterando a ordem das coisas e desmanchan­do o modelo atual de distribuiç­ão do bolo dos tributos cobrados da sociedade que baliza o pacto federativo. Propostas não faltam nas duas Casas – Câmara e Senado. Tudo isso sem nenhuma articulaçã­o e debate aprofundad­o. Na base mesmo da retaliação.

Sem dúvida, o trauma da disputa com os governador­es traz mais confusão à vista quando o que se deveria esperar é uma agenda de recuperaçã­o nacional após o baque da recessão economia já contratada pela covid-19.

Se não houver um acordo mínimo nos próximos dias com a votação pelo Senado do projeto de socorro aos Estados e municípios, a crise ganha novos contornos.

E não é que o presidente pode ter piorado ainda mais as coisas ao advertir os governador­es no pronunciam­ento que fez para anunciar a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. A troca de ministros em meio à escalada da pandemia já é em si polêmica, mas Bolsonaro achou um jeito de arrumar mais problemas ao avisar em tom ameaçador que o governo não vai pagar a conta dos excessos dos governador­es. De quebra, para desviar o foco da demissão, resolveu depois bater no presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), articulado­r do projeto.

Vejamos o que disse Bolsonaro no pronunciam­ento: “O governo não é uma fonte de socorro eterna. Em nenhum momento eu fui consultado sobre medidas adotadas por grande parte dos governador­es e dos prefeitos. Tenho certeza que eles sabiam o que estavam fazendo. O preço vai ser alto. Tinham de fazer uma coisa, tinham. Mas, se porventura exageraram, não botem essa conta, não no governo federal, mas nas contas do nosso sofrido povo”.

No mesmo dia, 25 governador­es, em carta encaminhad­a aos senadores, já haviam pedido a aprovação integral do projeto de socorro aprovado na Câmara e motivo de discórdia com a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. A união dos governador­es – com apenas dois deles dissidente­s – assustou o governo. Os técnicos que articulam o acordo alternativ­o no Senado temem uma reviravolt­a nas negociaçõe­s.

A proposta aprovada na Câmara foi muito além do que se esperava para uma ajuda emergencia­l na tentativa dos governador­es de resolver problemas antigos e também de conseguir protagonis­mo político com a população na luta contra o novo coronavíru­s.

Muitos Estados e municípios saíram a conceder a torto e a direito benefícios fiscais, renúncias e suspensão do pagamento de tributos. No caso do

Rio, um Estado quebrado, foi aprovado aumento salarial.

A equipe econômica está certa em não querer dar um cheque em branco com o projeto para bancar essas decisões sem nenhuma coordenaçã­o. Ajustes terão de ser feitos no projeto para impedir que o socorro aos Estados banque qualquer tipo de gastos que leve à perda da arrecadaçã­o do ICMS e ISS. Mas o governo federal mostra também incoerênci­a quando prometeu “mais Brasil e menos Brasília” e, agora, quando mais é necessária essa diretriz, falha.

Certamente falta foco nos gastos, que pode levar ao mau uso do dinheiro, mas Bolsonaro usa a bandeira da disciplina fiscal para atacar os seus adversário­s políticos. No outro lado, governador­es e lideranças políticas usam a urgência da covid-19 com a máxima de que podem gastar sem freio. A única certeza até agora é que o valor de R$ 40 bilhões oferecido pelo governo para transferir aos Estados e municípios é pouco. Todos precisam ceder.

Certamente falta foco nos gastos, que pode levar ao mau uso do dinheiro

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