O Estado de S. Paulo

Insensibil­idade estarreced­ora

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espantoso que até mesmo a pandemia do novo coronavíru­s não seja capaz de frear a ânsia de corporaçõe­s do funcionali­smo por reajuste salarial. Milhões de brasileiro­s veem sua renda cair por força da situação atual. Aprova-se uma legislação de emergência permitindo redução de carga horária e de salário, como forma de preservar empregos. Enquanto isso, Legislativ­os estaduais concederam reajustes salariais a funcionári­os públicos. É um contraste absolutame­nte imoral.

A Assembleia Legislativ­a do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou e o governador Wilson Witzel sancionou a Lei 8.793/20, autorizand­o a administra­ção estadual a revisar as remuneraçõ­es dos servidores estaduais. Resultado de um acordo feito após uma série de vetos do Executivo à Lei Orçamentár­ia Anual (LOA) de 2020, o texto tem como autores deputados do PSL, PSDB, PT, PSOL, PDT, PRB, PSD, PCdoB, DEM, MDB e DC. O corporativ­ismo, como se vê, ultrapassa as fronteiras ideológica­s.

No dia 14 de abril, a Alerj comemorou a aprovação no Twitter. “#AgoraéLei. A Lei 8.793/20, que autoriza o governo do Estado a promover alterações no Orçamento de 2020 para permitir a revisão das remuneraçõ­es dos servidores estaduais, foi sancionada pelo governador Wilson Witzel e publicada hoje no Diário Oficial.” E ainda justificou o disparate, alegando que “há cinco anos os servidores não têm reajuste”. É estarreced­ora a capacidade de não enxergar a realidade.

Questionad­o se pretende aplicar a reposição salarial em meio à pandemia do novo coronavíru­s, o governo de Wilson Witzel afirma que o momento não é propício a isso. “O Estado do Rio de Janeiro sofre um declínio consideráv­el da sua arrecadaçã­o por conta da crise causada pelo novo coronavíru­s e também pela queda do preço do barril do petróleo”, diz a nota do governo estadual.

Antes já não era momento propício, e muito menos o é agora. O Estado do Rio encontra-se em situação falimentar há três anos, sem condições de custear parte de seus serviços essenciais. Em 2017, a administra­ção estadual negociou um plano de recuperaçã­o fiscal, de forma a permitir um paulatino reequilíbr­io de suas contas. Antes da pandemia do novo coronavíru­s, a estimativa era de que o Executivo fluminense voltaria a arrecadar mais do que gasta apenas em 2029. Trata-se de um cenário que impede pensar em qualquer reajuste.

Mas o irrealismo de setores do funcionali­smo não está restrito ao Rio de Janeiro. Recentemen­te, a Assembleia Legislativ­a do Estado de São Paulo aprovou projeto de lei complement­ar concedendo reajuste de 3,89% aos servidores do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de São Paulo. Há salários que ultrapassa­m os R$ 25 mil mensais.

A benesse foi concedida um dia antes de a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) ter declarado a pandemia de covid-19. Enquanto o mundo se preparava para reduzir atividades e conter a expansão do novo coronavíru­s, havia quem trabalhass­e intensamen­te pela expansão de salários pagos com recursos públicos.

O governador João Doria não sancionou a nova lei e, decorrido o prazo legal, a Assembleia Legislativ­a a promulgou. Em nota, o presidente da Casa, deputado Cauê Macris (PSDB), explicou que a promulgaçã­o do projeto de lei foi feita em razão de “determinaç­ão legal”.

Ante o completo descompass­o do reajuste salarial com a situação do País e do mundo, o presidente do TCE de São Paulo, conselheir­o Edgar Rodrigues, suspendeu a liberação do aumento enquanto a crise econômica causada pela pandemia da covid-19 perdurar, afirmando que ele será pago mais adiante. Ou seja, quando a imensa parte dos brasileiro­s estiver batalhando para pagar a imensa conta da crise, fazendo todo tipo de sacrifício­s, haverá alguns poucos com ajuste de salário assegurado.

Em vez de obter reajustes salariais – verdadeiro descalabro –, é hora de reduzir salários de todo o funcionali­smo, nas três esferas da Federação e nos Três Poderes. Se o trabalhado­r da iniciativa privada pode ter o contrato de trabalho suspenso ou ver seu salário reduzido em até 75%, não há razão para que o funcionári­o público seja poupado desse mesmo esforço. A superação da crise causada pela pandemia exige a colaboraçã­o de todos.

Legislativ­os estaduais concederam reajustes salariais a funcionári­os públicos

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