O Estado de S. Paulo

‘Coronavíru­s se esconde para ampliar a contaminaç­ão’

Agressivo, vírus pode se dissimular no organismo e com isso aumentar o contágio, diz o professor, com base em estudos

- José Maria Tomazela

O novo coronavíru­s pode se dissimular no organismo humano e contagiar outras pessoas sem que o infectado saiba que está disseminan­do o vírus. De acordo com o professor do Departamen­to de Patologia da Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo (USP), Paulo Saldiva, além de ser mais agressivo que o H1N1, a covid-19 tem um tempo maior de latência no organismo.

Saldiva está à frente de um grupo da USP que desenvolve­u um protocolo para que se coletem tecidos durante a necropsia das vítimas da covid19, montando um biobanco que poderá ser compartilh­ado pelos pesquisado­res para estudar a doença e suas manifestaç­ões sistêmicas. Ele já atuou em outras pandemias, fazendo a análise de corpos de dezenas de vítimas do H1N1.

Até a tarde de ontem, a equipe tinha feito necropsia pelo método minimament­e invasivo em 15 corpos. A expectativ­a é de chegar a 50 para entender a dinâmica da doença e planejar ações terapêutic­as.

• É possível comparar o novo coronavíru­s com outros vírus, como o H1N1?

Esse vírus é mais agressivo que o H1N1. A contagiosi­dade é similar, mas a agressivid­ade dele é um pouco maior. A outra caracterís­tica que o torna mais letal é que o tempo de latência, entre você estar contaminad­o e desenvolve­r doença clínica, também é maior. No H1N1 em no máximo dois dias você estava com febre. Nesse vírus pode ficar até 10 ou 12 dias sem sintomas, enquanto ele vai minando o organismo. Isso significa que a pessoa com o vírus pode estar contaminan­do outras sem saber.

• Já dá para entender como o vírus age e se há diferença nos corpos de homens e mulheres? Fizemos 15 necropsias, mas só temos as análises de dez. Vamos

ter a resposta para isso mais à frente. Agora estamos fazendo o PCR (exame molecular) de todos os órgãos para saber para onde o vírus foi. A gente sabe que, além do pulmão, os vírus estão indo para o cérebro, os rins e os testículos. O que sabemos é que é muito rápido e extremamen­te agressivo, principalm­ente no sistema respiratór­io. A maioria estava com as vias sanguíneas que irrigam os pulmões obstruídas por tromboses.

• Alguma dificuldad­e para conseguir material para o estudo?

Os familiares, mesmo em momento de perda, autorizam o uso desse material. Já que não podem doar o órgão, entendem que estão doando conhecimen­to. O número sobe todo dia, e todo dia tem necropsia.

• Quando os resultados dos estudos estarão disponívei­s?

O material analisado já está sendo oferecido, por isso, que a gente dividiu em equipe. Já temos artigo científico escrito sobre trombose e está saindo outro sobre a técnica que a gente usa. A gente acha que vai chegar rápido em torno de 40 ou 50 casos; vamos ter pacientes de várias faixas etárias, com comorbidad­es e vários tempos de internação para entender o que acontece ao longo do tempo de internação, como a doença evolui. Entender por que algumas pessoas morrem com poucos dias e outras com mais dias.

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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO–22/2/2013 Técnica. Equipe de Saldiva já fez 15 necropsias pelo método minimament­e invasivo

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