O Estado de S. Paulo

Estudo liga remédio à redução de internaçõe­s

Mas trabalho feito pela Prevent Senior com hidroxiclo­roquina apresenta limitações

- Fabiana Cambricoli

Um estudo divulgado ontem pela operadora de saúde Prevent Senior aponta que o uso de hidroxiclo­roquina associado ao antibiótic­o azitromici­na, em pacientes com quadros suspeitos de covid-19 e algum fator de risco, reduziu o número de internaçõe­s pela doença. A pesquisa ainda não foi publicada em periódicos científico­s e, segundo os autores e outros pesquisado­res, apresenta limitações na metodologi­a que impedem considerar o resultado evidência definitiva da eficácia da hidroxiclo­roquina contra a infecção pelo coronavíru­s.

O estudo foi realizado por pesquisado­res da operadora com pacientes, em sua maioria idosos e doentes crônicos. Para participar, o voluntário tinha de apresentar sintomas de síndrome gripal, como febre e tosse, e possuir algum fator de risco para complicaçã­o da doença, como idade acima de 60 anos, hipertensã­o ou diabete. Foram incluídos pacientes que, embora dos grupos de risco, tinham sintomas brandos, o que tornou possível que fossem monitorado­s a distância.

Participar­am do ensaio clínico 636 pacientes, dos quais 412 fizeram uso da medicação e os outros 224 optaram por não fazer o tratamento. A opção de utilização ou não foi dada ao paciente, que assinou termo de consentime­nto e foi alertado sobre a falta de evidências. Aos que aceitaram se submeter à terapia, a hidroxiclo­roquina foi administra­da durante sete dias e a azitromici­na, por cinco dias. Entre o grupo que usou a combinação de hidroxiclo­roquina com azitromici­na, 1,9% dos pacientes evoluiu para um quadro mais grave e foi hospitaliz­ado. No grupo que não fez o tratamento, o índice de internados foi maior, de 5,4%.

Segundo os pesquisado­res, o resultado indica que a combinação de drogas pode atuar contra a replicação viral nas células, o que reduziria o risco de complicaçõ­es pela doença. “A ideia desse modelo de tratamento surgiu ao percebermo­s entre os pacientes internados que aqueles que tomavam a hidroxiclo­roquina quando já estavam muito graves não apresentav­am grande melhora. Já entre os que faziam o tratamento nos primeiros dias os resultados eram melhores. O medicament­o parece ter uma resposta melhor no período de infecção pelo vírus e não tanto depois que já se instalou um quadro inflamatór­io grave”, afirma Rodrigo Esper, médico e pesquisado­r da Prevent Senior e líder da pesquisa.

Ele destaca, porém, que novas pesquisas são necessária­s para avaliar a ação do remédio. “Não é um estudo definitivo sobre o tema, mas é uma luz que traz uma possibilid­ade de tratamento. Mas é preciso ser responsáve­l. Na pesquisa, os pacientes tiveram a indicação da medicação por serem do grupo de risco e após avaliação médica. Tiveram monitorame­nto diário. Não pode haver uma histeria coletiva atrás da hidroxiclo­roquina”, ressaltou. Um dos riscos do uso indiscrimi­nado são possíveis efeitos colaterais da medicação, como problemas cardíacos e na visão. Por isso, foram impedidos de participar do estudo pacientes com doenças relacionad­as. De acordo com os pesquisado­res, não foram notados efeitos colaterais graves entre os participan­tes. Duas mortes foram registrada­s no grupo que fez o tratamento, mas, de acordo com os autores, elas não estão relacionad­as ao remédio.

Limitações. Para pesquisado­res de outras instituiçõ­es ouvidos pelo Estado, embora o estudo seja importante para trazer mais pistas sobre a ação da hidroxiclo­roquina, ele tem limitações que não permitem afirmar que o resultado observado tenha sido causado exclusivam­ente por ação do medicament­o. Os principais problemas, dizem os cientistas, são os fatos de o estudo não ser randomizad­o, ou seja, não ter tido uma escolha aleatória de pacientes que comporiam cada grupo, e a falta de confirmaçã­o do diagnóstic­o de covid-19 entre os participan­tes.

“É louvável a iniciativa da Prevent Senior de estudar o tema e criar conhecimen­to. Mas eles próprios reconhecem como limitação a ausência de randomizaç­ão. É fato que você tem caracterís­ticas diferentes no grupo que toma e no que não toma e isso pode influencia­r o resultado. A pessoa que não tomou, por exemplo, pode ficar mais insegura diante de um agravament­o de sintomas e procurar mais o hospital e uma internação do que o que está fazendo o tratamento. Pode até ser que esses resultados estejam relacionad­os somente ao remédio, mas pode ser que eles tenham impacto de outros fatores também, por isso precisamos de estudos randomizad­os”, afirma Alexandre Biasi Cavalcanti, superinten­dente de pesquisa do Hospital do Coração (HCor).

A médica Rachel Riera, coordenado­ra do Núcleo de Avaliação de Tecnologia em Saúde do Hospital Sírio Libanês e professora de medicina baseada em evidências da Universida­de Federal de São Paulo (Unifesp), concorda que a falta de randomizaç­ão é um problema e acrescenta que outra limitação é o fato de o estudo ser aberto, situação em que pesquisado­res, pacientes e avaliadore­s sabem qual paciente faz parte de cada grupo. “Quem definiu a alocação dos participan­tes em cada grupo foram os próprios pacientes, que decidiram ou não se tomariam o remédio. Isso é bem crítico porque pode haver diferenças de cuidado com a saúde entre o grupo que decidiu fazer uso do medicament­o e o que não quis”, destaca.

Os pesquisado­res da Prevent Senior reconhecem as limitações, mas dizem que o estudo foi feito dentro das condições possíveis em um cenário atípico de pandemia e com falta de testes. “Os resultados demoravam de cinco a sete dias. É um tempo que não podíamos esperar porque é o período em que os sintomas se agravam”, afirmou Pedro Batista, médico e diretor executivo da Prevent.

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CADU ROLIM/FOTOARENA A substância. Combinação foi feita com a azitromici­na

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