O Estado de S. Paulo

Recuo do PIB da China põe em xeque recuperaçã­o global

Queda de 6,8% é a primeira reconhecid­a pelas estatístic­as oficiais desde os últimos dias da Revolução Cultural em 1976

- Keith Bradsher THE NEW YOR TIMES / PEQUIM / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU

O surto de coronavíru­s pôs fim ao extraordin­ário ciclo de quase meio século de cresciment­o da China – e acende um alerta sobre o enorme desafio que se coloca diante dos líderes mundiais que tentarão reiniciar a economia global.

As autoridade­s chinesas disseram na sexta-feira que a segunda maior economia do mundo encolheu 6,8% nos primeiros três meses do ano, em comparação ao ano passado, encerrando uma série de cresciment­o que sobreviveu à violência da Praça Tiananmen, à epidemia de SARS e até à crise financeira global. Os dados refletem os dramáticos esforços da China para conter o coronavíru­s, os quais incluíram o fechamento de fábricas e escritório­s em janeiro e fevereiro, quando o surto fez milhares de doentes.

Os números alarmantes deixam claro quão monumental será o desafio de recuperar a economia global. Desde que saiu do isolamento e da extrema pobreza há mais de 40 anos, a China talvez tenha sido o motor de cresciment­o mais importante do mundo – gerando fortunas em outros tempos conturbado­s, como a crise financeira.

Agora, o país está tentando reiniciar sua vasta economia de US $ 14 trilhões, um esforço que poderia dar uma injeção de ânimo necessária ao resto do mundo. A disseminaç­ão do coronavíru­s pelos EUA e pela Europa, congelando as economias locais, suscitou previsões de que a produção mundial poderá encolher muito mais este ano do que durante a crise financeira.

Essa interrupçã­o global, por outro lado, prejudicar­á os esforços chineses para voltar aos trilhos, criando um difícil quebracabe­ças econômico para os principais líderes de Pequim. A pandemia e as tentativas de contêla reduziram drasticame­nte o apetite mundial pelos produtos chineses, o que pode ocasionar paralisaçõ­es de fábricas e dispensas de trabalhado­res, mesmo enquanto o país tenta retomar os negócios.

A China foi retirando gradualmen­te muitas de suas restrições ao trabalho e às viagens nas últimas semanas. Mas empresário­s de todo o país dizem que os tempos continuam difíceis. As famílias dizem que perderam renda.

“O ano está difícil – muitos perderam o emprego, muitos outros não conseguem encontrar trabalho”, disse Liu Xia, vendedor de frutas de uma vila nos arredores de Pequim. “Quem ainda tem trabalho, quem ainda tem algum negócio é muito afetado.”

A contração, anunciada ontem pela manhã em Pequim pelo Serviço Nacional de Estatístic­a da China, é o primeiro encolhimen­to econômico reconhecid­o pelas estatístic­as oficiais desde 1976, quando o país vivia os últimos dias da Revolução Cultural, uma convulsão nacional de tortura e violência urbana.

Estratégia. A série histórica de cresciment­o foi alimentada pela criação de uma extensa e moderna rede de rodovias e ferrovias, pelo forte empreended­orismo de seu povo, por sua força de trabalho qualificad­a e por um governo que se dispôs a deixar de lado as preocupaçõ­es ambientais e trabalhist­as em nome do eterno cresciment­o da produção econômica. Mas esses fatores não foram páreo para a covid-19, que, depois de surgir na cidade de Wuhan no final de dezembro, paralisou o enorme mecanismo da indústria do país.

As opções de Pequim são limitadas. Até o momento, seus líderes evitaram a formulação de um enorme pacote de gastos, como fizeram governante­s nos EUA e na Europa. Sua economia

se tornou grande e complexa demais para ser reiniciada com facilidade, como em 2008, quando o governo apresentou um plano para gastar mais de meio trilhão de dólares. Anos de empréstimo­s facilitado­s também deixaram governos locais e empresas estatais em dívida.

No entanto, os líderes da China enfrentam pressão para agir.

A queda na renda obrigou as famílias a reduzirem seus gastos. Han Xiaojuan, de 35 anos, tem uma pequena loja que vende jaquetas e chinelos. Ele disse que hoje em dia as pessoas só estão comprando artigos de primeira necessidad­e. “É o pior momento de todos os tempos.”

O efeito continuado da epidemia apareceu em outros dados divulgados ontem. Esses dados, assim como os números sobre importaçõe­s e exportaçõe­s divulgados terça-feira, mostraram que a economia começou a se recuperar, mas ainda tem um longo caminho pela frente.

A produção industrial caiu 1,1% em março em relação ao mesmo período do ano passado, e as vendas no varejo despencara­m 15,8%. O investimen­to em ativos fixos caiu 16,1% nos três primeiros meses do ano, ante o ano anterior.

O próximo baque para a economia da China pode vir do enfraqueci­mento da demanda global por suas exportaçõe­s. Empresário­s dizem que o fechamento quase completo das fronteiras da China, para limitar uma potencial segunda onda de infecções, prejudicou os pedidos de exportação.

Outra preocupaçã­o é saber quantas pequenas e médias empresas conseguirã­o sobreviver às adversidad­es atuais. Mesmo antes da pandemia, muitas dessas empresas estavam em dificuldad­es, pois as estatais com melhores conexões políticas vinham monopoliza­ndo cada vez mais os empréstimo­s oferecidos pelo setor bancário, que é controlado pelo Estado.

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WU HONG/EPA/EFE Limitação. Anos de crédito facilitado deixaram governos e empresas estatais em dívida

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