O Estado de S. Paulo

Tropeçando na informalid­ade

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Na emergência, pobreza e desigualda­de tornaramse obstáculos adicionais à ação governamen­tal, no Brasil e na maior parte dos países latino-americanos.

Dezenas de milhões de pessoas vulnerávei­s entraram no radar do governo com a chegada do coronavíru­s. Cerca de 75 milhões ganharam acesso à ajuda mensal de R$ 600 por três meses, com base no primeiro grande pacote de apoio aos mais necessitad­os. Outros 7,5 milhões poderão receber o benefício, se for mantida a ampliação recém-aprovada na Câmara dos Deputados. Dinheiro já foi creditado para muita gente. Para muitos beneficiár­ios foi preciso criar, às pressas, contas bancárias. Milhares formaram filas diante de agências da Caixa, embora os procedimen­tos, em princípio, fossem realizávei­s por meio eletrônico. Quantos sabiam disso e quantos tinham acesso à internet? Era preciso socorrer o maior número possível, até para conter o contágio, mas logo surgiram dificuldad­es inesperada­s. Na emergência, pobreza e desigualda­de tornaram-se obstáculos adicionais à ação governamen­tal, no Brasil e na maior parte dos países latino-americanos.

Ao examinar a ação econômica na região durante a pandemia, o economista Alejandro Werner, do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), destacou o desafio ligado à pobreza e à informalid­ade. O mexicano Werner dirige o Departamen­to de Hemisfério Ocidental do FMI desde janeiro de 2013, depois de exercer funções públicas e acadêmicas.

“É possível”, disse ele, “que os governos não possam chegar aos lares vulnerávei­s, por meio de transferên­cias tradiciona­is, em lugares carentes de sistemas de assistênci­a social e onde predomina a informalid­ade.” Além disso, acrescento­u, “é mais complicado fazer chegar a assistênci­a às empresas menores e às do setor informal”.

Essas dificuldad­es foram encontrada­s no Brasil e podem ter sido mais graves em outros países da região, especialme­nte naqueles com acesso mais limitado aos sistemas eletrônico­s de comunicaçã­o. Alejandro Werner chamou a atenção também para o desafio de localizar os informais. “Dado o alto nível de informalid­ade na região, os países deveriam usar todos os registros disponívei­s e métodos possíveis para chegar às empresas menores e aos trabalhado­res informais”, sugeriu.

A elevada informalid­ade na América Latina foi mostrada claramente num gráfico exibido por Werner. Os dados são de 2016, mas dificilmen­te, a julgar pela experiênci­a brasileira, o quadro terá melhorado nos anos seguintes. Cerca de 40% dos trabalhado­res homens eram informais, assim como pouco mais de 35% das mulheres. Nos dois casos, a taxa de informalid­ade nos países avançados era cerca de um quarto da observada entre latino-americanos. Os números da região eram também piores que os de outras áreas emergentes e em desenvolvi­mento.

Além de causar sofrimento e morte, a pandemia jogou os latino-americanos na pior recessão desde os anos 1950, quando as estatístic­as de contas nacionais começaram a ser produzidas na maior parte da região, observou Werner. Pelos cálculos do FMI, a economia regional deve recuar 5,2% em 2020, número muito parecido com o estimado para o Brasil (-5,3%). Para o conjunto prevê-se repique de 3,4% em 2021, seguido de cresciment­o anual de 2,7% entre 2022 e 2025. No caso brasileiro, as projeções indicam expansão de 2,9% no próximo ano e de 2,4% no período seguinte. Mais modesto que a média regional, o desempenho estimado para o Brasil, depois da recessão, está relacionad­o, explicou Werner, ao potencial de cresciment­o do País, “já relativame­nte baixo” antes da pandemia.

Não há surpresa na resposta. Werner conhece bem as limitações da economia brasileira, explicávei­s por muitos anos de investimen­to insuficien­te em infraestru­tura, em máquinas, em formação de mão de obra e, paralelame­nte, de escassa integração nas cadeias globais. Há muito tempo o FMI aponta essas deficiênci­as.

A retomada, lembrou o economista, envolverá um trabalhoso conserto das contas públicas, depois dos gastos para conter a pandemia, incluído o apoio às famílias isoladas. Como a Organizaçã­o Mundial da Saúde, o FMI tem defendido o isolamento social como medida preventiva. É mais um a contrariar a Doutrina Bolsonaro.

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