O Estado de S. Paulo

CONTRA A COVID-19, EM CASA E NO HOSPITAL

Casal de médicos relata a difícil rotina no Hospital Emílio Ribas, referência contra a doença

- Giovana Girardi

Ele está à frente da UTI de um dos principais hospitais de referência de São Paulo para os casos de covid-19 e se vê no drama de já estar com todos os 30 leitos ocupados. Ela atua no pronto-socorro, recebendo quem chega assustado, com medo de ter o coronavíru­s.

Jaques Sztajnbok, de 54 anos, e Fabiane El Far Sztajnbok, de 47, se conheceram no Instituto de Infectolog­ia Emílio Ribas quando ela era residente. Jaques, já chefe da UTI, a ajudou a publicar um trabalho sobre implicaçõe­s do surto de sarampo de 1997. Pode-se dizer que foi o sarampo que uniu o casal.

Mas a experiênci­a com aquela e outras epidemias não foi suficiente para prepará-los para o que enfrentam hoje. Desde que a pandemia de covid-19 atingiu em cheio São Paulo, o casal tem se visto muito pouco. Na última quinta-feira, quando conversara­m com a reportagem, já depois das 21 horas, eles só tinham se visto muito rapidament­e pela manhã. Ela estava voltando para casa do plantão que tinha feito na madrugada, quando ele saía para o hospital.

No pouco tempo juntos, compartilh­am as “visões diferentes, mas confluente­s” de uma mesma emergência, como define Fabiane, enquanto tentam estabelece­r um clima de tranquilid­ade para os filhos – Daniel, de 10 anos, e Ana Beatriz, de 12 – e também estratégia­s para ajudar suas mães, já idosas. Além de estudarem sobre os últimos avanços em relação à doença.

O Emílio Ribas alcançou nesta semana a lotação da UTI e Jaques começou a lidar com o dilema de não poder receber novos pacientes enquanto novos leitos não forem criados. Mas os pedidos continuava­m chegando. Naquela madrugada, Fabiane recebeu do sistema de saúde 40 solicitaçõ­es de vagas.

“Está aumentando muito. Antes o normal no meu plantão eram um, dois pedidos”, conta a médica, que trabalha em regime de 12 horas todas as noites de quarta e em um plantão de 24 horas um domingo por mês.

De porta aberta, o hospital também atende quem chega por conta própria, em busca de socorro, como um paciente HIV positivo – o Emílio Ribas é referência para o tratamento da doença – que chegou com dificuldad­e de respirar. “Ele tinha acabado de perder o pai, suspeito de covid-19, naquela noite. A mãe estava na UTI e ele também com sintomas. Foi para o Emílio Ribas porque sempre foi para lá e conseguimo­s mandálo para a UTI”, conta Fabiane.

O casal troca informaçõe­s sobre esses pacientes cruzados e compartilh­a o conhecimen­to que vai adquirindo. “Apesar de ser uma posição de muita sobrecarga, estar à frente da UTI é também uma posição privilegia­da porque aprendemos todos os dias. Cada dia é um desafio novo e, como não há uma terapêutic­a estabeleci­da, vivemos situações semi-experiment­ais, em que, a partir dos resultados, vamos ajustando o atendiment­o”, diz Jaques.

‘Gripezinha’. Mas o ineditismo da situação também assusta. “Estão ao mesmo tempo na UTI uma paciente de 22 anos e outra de 78. E não necessaria­mente a mais velha é que tem o quadro mais grave. As duas estão mal. Estatistic­amente a probabilid­ade de óbito é maior em idosos e pacientes com comorbidad­es, mas não significa que outras populações estejam imunes. Definitiva­mente não é uma gripezinha”, diz.

“E tem o aspecto que torna a situação ainda mais grave que é essa doença ter um potencial enorme de infectar o profission­al de saúde. Trabalhamo­s no Emílio Ribas como centro de referência na epidemia de febre amarela, que tinha casos gravíssimo­s, mas ninguém ali tinha risco de se infectar. Agora não temos nem a certeza ainda de os infectados por covid-19 estarem realmente imunes”, afirma Jaques, que há 28 anos está no hospital.

Ao chegar em casa, porém, eles tentam deixar as preocupaçõ­es de lado e trazer segurança para as crianças. “Eles entendem que os pais são médicos, o que é a nossa vida, e isso me dá um alívio, porque sei que eles estão tranquilos. E agora vemos que estão com orgulho da gente. Os amiguinhos da escola perguntam se estamos bem”, relata Fabiane. “A gente explica que é possível que mamãe ou papai adquiram e vamos pensar como vamos viver.”

 ?? DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO ?? Medo e alívio. Ao chegar em casa, tentam deixar preocupaçõ­es de lado e trazer segurança para as crianças. ‘Vemos que estão com orgulho da gente’
DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Medo e alívio. Ao chegar em casa, tentam deixar preocupaçõ­es de lado e trazer segurança para as crianças. ‘Vemos que estão com orgulho da gente’

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