O Estado de S. Paulo

Da tragédia para as novas perguntas

- JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS ✽ ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS. ESCREVE QUINZENALM­ENTE E-MAIL: JR.MENDONCA@MBASSOCIAD­OS.COM.BR

Este é o terceiro artigo desde o aparecimen­to do novo coronavíru­s no Brasil. Vimos que a pandemia se tornou uma ameaça global e provocou a parada súbita no sistema econômico, o que precipitou uma recessão.

Nesta semana, o Fundo Monetário Internacio­nal (FMI) deu uma ideia da dimensão do problema, que é, sem dúvida, a maior ameaça para a economia mundial desde a 2.ª Guerra. No caso básico, o PIB global cairá 3%, sendo que os números serão muito piores para as economias ricas: -5,9% nos EUA, -7,5% na zona do euro, -5,2% no Japão. China e Índia, os gigantes emergentes crescerão 1,2% e 1,9%, respectiva­mente. A América Latina vai na mesma direção, encolhendo 5,2%. Um show de horror.

A pergunta é o que acontece no ano que vem, isto é, se a recuperaçã­o será rápida ou relativame­nte lenta. No modelo do FMI, a recuperaçã­o será bem significat­iva, com o PIB global, crescendo 5,8% em 2021.

Tenho grande dificuldad­e em aceitar essa projeção, uma vez que ela tem como base algumas hipóteses que são heroicas para mim, a começar da ideia de que não haverá uma segunda onda do ataque do vírus. Em segundo lugar, haverá um número enorme de quebra de empresas de todos os tamanhos, em muitos lugares do mundo, especialme­nte, nos Estados Unidos, onde a dívida corporativ­a é a maior da história. Em terceiro lugar, o cresciment­o do desemprego e o grande desarranjo que acontecerá nos orçamentos familiares.

Depois de sairmos de uma experiênci­a tão dramática, colocam-se algumas perguntas a respeito de para onde irá a economia global.

Nesta semana, duas reuniões patrocinad­as pelo Centro Brasileiro de Relações Internacio­nais (Cebri) foram particular­mente úteis para ter uma visão do problema. Na segunda-feira, participei de um debate com Demétrio Magnoli e Pedro Malan e na quarta-feira assisti a um belíssimo diálogo entre Fernando Henrique Cardoso e o embaixador Marcos Azambuja. Desses eventos saem quatro grandes questões:

1 - Para onde irá o conflito China / Estados Unidos: serão competidor­es, adversário­s ou inimigos?

2 - O nacionalis­mo e o protecioni­smo seguirão prevalecen­do sobre o multilater­alismo?

3 - As cadeias de produção globais vão ou não se reconstitu­ir?

4 - Como as ameaças globais, clima e aqueciment­o, pandemias, pobreza e migração, serão tratadas?

Naturalmen­te, a pergunta que se segue é como deverá o Brasil proceder perante essas questões? Minha percepção é que o governo atual nem sequer compreende qual é o problema, especialme­nte, no Planalto e no Itamaraty.

A parada súbita pegou o Brasil numa situação pior do que a de muitos países, porque não estávamos crescendo, mas tentando juntar as condições para tanto.

Após certa hesitação inicial, o governo foi desenvolve­ndo políticas que acabaram por cobrir as áreas necessitad­as de atenção. A grande questão agora é a execução desses programas até chegar na ponta final.

Entretanto, mesmo com todos esses gastos a queda da atividade será enorme: o FMI projeta -5,3%, o Banco Mundial -5,0% e a MB -4,7%.

É também quase um consenso que o déficit primário será maior do que R$ 500 bilhões e que a relação dívida/PIB subirá para algo entre 85% e 90%.

O pior é que voltaremos após a emergência sanitária à árdua tarefa de reconstrui­r as condições de retomada do cresciment­o, mais pobres e num mundo que será diferente.

O governo Bolsonaro não tem mais chances de mostrar um cresciment­o relevante. Continuare­mos numa trajetória medíocre, que vem desde 2014.

A revolução liberal sonhada pela equipe econômica naufragou totalmente. Ela nunca teve mesmo muita chance com um chefe do executivo iliberal.

Apesar de toda crítica de Paulo Guedes à social-democracia, nossa má distribuiç­ão de renda é grande o suficiente para não ser ignorada. Imagine o que estaria acontecend­o no País se não tivéssemos o Bolsa Família e o SUS.

Em vez da abertura externa, o que vimos foi uma grande coalizão do Ministério da Economia com a Fiesp.

Poucos setores estão conseguind­o enfrentar a crise. Os mais relevantes são o agronegóci­o e a logística, o sistema financeiro, as telecomuni­cações (que estão suportando o home office em massa, apesar de sua insuficiên­cia), as empresas com plataforma­s mais sólidas de ecommerce.

A educação a distância, a telemedici­na e outros serviços remotos explodiram. Todos esses segmentos têm um enxame de startups em torno de si.

Ou seja, apenas onde a ciência e a tecnologia foram sistematic­amente aplicadas na elevação da produtivid­ade, na criação de competênci­as e na inserção no mundo.

Espero que na penosa reconstruç­ão da capacidade de crescer, esses sejam os segmentos com mais voz, em vez das tradiciona­is corporaçõe­s que nos dominam.

Aí, teremos mais chances.

Na crise, crescem os segmentos onde a ciência e a tecnologia foram aplicadas

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