O Estado de S. Paulo

Bolsonaro faz caravana ao STF em pressão contra isolamento

Marcha-surpresa foi vista na Corte como marketing; presidente fala em perda de 10 milhões de empregos formais

- Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA / COLABORARA­M MATEUS VARGAS JULIA LINDNER, LORENNA RODRIGUES e EMILLY BENHKE

Após uma série de derrotas, o presidente Jair Bolsonaro foi de surpresa com uma comitiva ao Supremo Tribunal Federal (STF) pressionar o presidente da Corte, Dias Toffoli, para que amenize ações de isolamento decretadas por Estados. Com ministros, parlamenta­res e empresário­s, Bolsonaro cruzou a Praça dos Três Poderes e apelou a Toffoli pela reabertura do comércio, sob argumento de que o Brasil pode “virar uma Venezuela”. Ele mostrou preocupaçã­o com saques e manifestaç­ões com o avanço do desemprego. À noite, após incluir atividades industriai­s e de construção civil no rol das essenciais, disse que o Brasil “se aproxima de 10 milhões de pessoas que perderam emprego de carteira assinada”. No mês passado, a Corte decidiu que Estados e municípios têm autonomia para decretar quarentena como forma de enfrentar a covid-19, que, segundo o Ministério da Saúde, ainda não chegou ao pico. A “marcha” foi interpreta­da no STF como gesto de marketing.

Depois de sofrer uma série de derrotas na arena judicial, o presidente Jair Bolsonaro levou ontem uma comitiva de empresário­s à sede do Supremo Tribunal Federal (STF) e fez pressão para que o presidente da Corte, Dias Toffoli, amenizasse as medidas de isolamento social decretadas por Estados para combater a pandemia do coronavíru­s. Acompanhad­o de ministros, parlamenta­res e industriai­s, Bolsonaro atravessou a Praça dos Três Poderes e, numa visita surpresa, apelou a Toffoli para que fosse permitida a reabertura do comércio, sob o argumento de que há riscos de o Brasil “virar uma Venezuela”.

Os ministros Paulo Guedes (Economia), Walter Braga Netto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Fernando Azevedo (Defesa) e o senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ), filho do presidente, integraram a comitiva. Mais tarde, Bolsonaro disse que tomou aquela atitude porque não poderia ficar “esperando” de braços cruzados uma decisão do Supremo.

“Parte da responsabi­lidade disso tudo também é dele. É do Supremo. Tem de jogar no mesmo time”, afirmou o presidente. No mês passado, a Corte decidiu que Estados e municípios têm autonomia para decretar medidas como quarentena para enfrentar o coronavíru­s. O parecer contrariou Bolsonaro, que defende a “flexibiliz­ação” do isolamento social. “O dinheiro do governo está acabando. Se endividar muito, eleva taxa de juros, acaba perdendo a confiança na capacidade do Estado de arrecadar”, insistiu ele.

A decisão de Bolsonaro de “marchar” até o Supremo, após se reunir com vários empresário­s do setor produtivo, no Palácio do Planalto, foi interpreta­da na própria Corte como um gesto de marketing. Na prática, o presidente quis fazer chegar ao Judiciário a pressão que vem sofrendo para “reabrir o País”, depois de ouvir ontem que a indústria está “destroçada”.

Sinais vitais. Na reunião com Toffoli, o governo traçou um cenário desolador. Guedes afirmou que “a economia pode se desintegra­r”, está perdendo os “sinais vitais” e alertou para os riscos de desabastec­imento. Bolsonaro, por sua vez, demonstrou preocupaçã­o com saques e manifestaç­ões populares por causa do desemprego.

A estratégia do Palácio do Planalto é afrouxar o distanciam­ento social para reativar a economia, apesar de o País ainda não ter chegado ao pico da doença, segundo o Ministério da Saúde. “Economia é vida. Um país em que a economia não anda, a expectativ­a e o IDH (Índice de Desenvolvi­mento Humano) vão lá pra baixo. Queremos que o Brasil ocupe um lugar de destaque no mundo”, afirmou Bolsonaro.

Apesar da pressão, o presidente teve de ouvir de Toffoli recados sobre governança. O magistrado propôs um “comitê de crise” para acompanhar os desdobrame­ntos da pandemia. Foi uma crítica à falta de política centraliza­da por parte do governo. Toffoli também defendeu uma saída do isolamento de “maneira coordenada com Estados e municípios” e lembrou que a Constituiç­ão garante competênci­as específica­s para os entes da federação.

A mensagem do ministro foi classifica­da por seus auxiliares

como um “puxão de orelha” em Bolsonaro, que está em um cabo de guerra com prefeitos e governador­es para a reabertura do comércio. Toffoli observou ali que as medidas de combate ao coronavíru­s devem ser tomadas a partir de “critérios científico­s”.

O presidente da associação das indústrias de brinquedos, a Abrinq, Synesio Batista, disse que a conversa com o presidente do Supremo foi feita a pedido de Bolsonaro. Batista afirmou, porém, que os empresário­s não apresentar­am qualquer reivindica­ção à Corte. “A indústria não tem que pedir nada (ao

STF). Nosso ambiente de relacionam­ento empresaria­l é com o Executivo, não é com a Corte máxima”, observou ele.

O movimento do presidente também foi visto no STF como “um jogo de cena” para terceiriza­r responsabi­lidades e dividir com a Corte o ônus da crise política, econômica e sanitária que abala o governo. Causou incômodo, ainda, a transmissã­o ao vivo da reunião, feita por Bolsonaro em seu perfil no Facebook, sem conhecimen­to prévio do Supremo. Nos bastidores, ministros do tribunal também criticaram o fato de Toffoli ter permitido que o presidente usasse a Corte como uma espécie de “palco”.

Ao longo das últimas semanas, Bolsonaro enfrentou muitos reveses no STF e acabou sendo impedido de nomear o delegado Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal. O Supremo também proibiu o Planalto de veicular campanhas contra o distanciam­ento social.

Dois dos ministros militares que acompanhar­am Bolsonaro na reunião com Toffoli (Braga Netto e Ramos) foram convocados para depor no âmbito do inquérito aberto pelo tribunal para investigar acusações do exministro da Justiça Sérgio Moro de que o presidente tentou interferir politicame­nte na Polícia Federal. O outro general que terá de prestar depoimento é Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucio­nal (GSI). Os militares do Planalto se disseram ofendidos com a decisão do ministro Celso de Mello, para quem os depoimento­s devem ser tomados até por “condução coercitiva” ou “debaixo de vara”.

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GABRIELA BILO/ESTADÃO Grupo. Jair Bolsonaro, ao lado do ministro Paulo Guedes; presidente levou uma comitiva ao Supremo Tribunal Federal

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