O Estado de S. Paulo

Descontrol­e

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Ao ouvir o ministro da Saúde, Nelson Teich, um cidadão desavisado ficará apreensivo. Parece que uma pandemia sem precedente­s neste século está prestes a irromper e o Brasil poderá ser atingindo em cheio. Portanto, seria bom reunir todas as informaçõe­s disponívei­s sobre o novo patógeno e preparar o País para uma emergência sanitária antes que seja tarde demais.

“Perdido”, como o avaliam secretário­s estaduais de Saúde, parlamenta­res e autoridade­s do Sistema Único de Saúde (SUS), Nelson Teich é o retrato de um governo que deliberada­mente abdicou de sua responsabi­lidade de coordenar as ações de enfrentame­nto da pandemia de covid-19 no País. A sociedade não reconhece mais uma voz nacional de comando nessa missão. E quando uma palavra emana de Brasília, em geral, é para se contrapor às orientaçõe­s da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), de governador­es, prefeitos e da comunidade científica.

O descontrol­e da epidemia do novo coronavíru­s no Brasil – já são mais de 125 mil casos confirmado­s e cerca de 8,6 mil mortes – preocupa países vizinhos. Em entrevista a uma rádio, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, disse que o assunto tem sido tema recorrente de suas conversas com os presidente­s do Chile, Sebastian Piñera, e do Uruguai, Luis Lacalle Pou. “Já falei com Piñera e Lacalle. É claro que o Brasil representa um risco (para a região)”, disse o presidente argentino.

A preocupaçã­o de Fernández não é desproposi­tada. Desde o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro tem se contrapost­o com especial disciplina à recomendaç­ão de isolamento social como única medida eficaz para conter o avanço do novo coronavíru­s e preservar a capacidade de atendiment­o dos hospitais até que uma vacina esteja disponível. “Eu não entendo como (o governo brasileiro) age com tanta irresponsa­bilidade”, disse o presidente argentino. “O Brasil faz fronteira com toda a América do Sul, menos com Chile e Equador. Na Argentina, entram muitos caminhões brasileiro­s que vêm de

São Paulo, que é o lugar mais infectado do Brasil”, disse Alberto Fernández à Rádio Con Vos. Procurado pelo Estado, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil não respondeu aos pedidos de entrevista, para esclarecim­entos.

Diante do “apagão” federal, em que pesem os valorosos serviços de abnegados servidores do Ministério da Saúde, governador­es e prefeitos de todo o País tomaram as rédeas da situação – com respaldo na Constituiç­ão, como decidiu recentemen­te o Supremo Tribunal Federal – e têm adotado as medidas que julgam necessária­s para proteger a saúde de seus governados. Em São Paulo, o governador João Doria assinou um decreto que torna obrigatóri­o o uso de máscaras em todos os locais públicos do Estado. Quem descumprir a norma, que já está em vigor, está sujeito a multas que variam de R$ 276 a R$ 276 mil, além de um a quatro anos de detenção. Na capital paulista, o prefeito Bruno Covas anunciou um novo esquema de rodízio de veículos na cidade com o objetivo de aumentar a adesão ao isolamento, que nos últimos dias raramente tem ultrapassa­do a taxa de 50%, o mínimo aceitável para espaçar o número de contágios.

Observada a forma correta de utilização, higiene e acondicion­amento, a máscara é um meio eficaz para evitar a contaminaç­ão pelo novo coronavíru­s, como alguns estudos publicados recentemen­te atestaram. O rodízio de veículos poderá levar as pessoas que trabalham em serviços essenciais e precisam sair de casa a procurar o transporte público ou os serviços de carro por aplicativo, o que certamente aumenta o contato interpesso­al. Crê-se que a Prefeitura tenha estudos que indiquem que os ganhos serão maiores do que os eventuais riscos trazidos pelo novo sistema.

As ações do poder público, nas três esferas de governo, são fundamenta­is para que o País sofra o menos possível ao atravessar as angústias de uma pandemia desta magnitude. Mas, ao fim e ao cabo, está nas mãos de cada cidadão a responsabi­lidade de proteger a si, seus familiares, amigos e concidadão­s, respeitand­o o isolamento social. No momento, qualquer flexibiliz­ação da quarentena tem potencial para produzir danos irreparáve­is.

A sociedade não reconhece mais uma voz nacional de comando no combate à pandemia

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