O Estado de S. Paulo

Armadilhas na economia e nas aplicações

- E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM CELSO MING

Omergulho da inflação e dos juros e a escalada da cotação do dólar espalham armadilhas pela administra­ção da economia e do patrimônio privado do brasileiro.

A inflação afunda em direção ao negativo, algo que deve começar a ser confirmado nesta sexta-feira, quando for conhecida a evolução do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em abril. O Banco Central já admitiu oficialmen­te uma inflação da ordem de 2,0% em todo este ano. Este é o padrão de países ricos e é a meta informal de inflação dos dois maiores bancos centrais do Planeta, o Federal Reserve (dos Estados Unidos) e o Banco Central Europeu. O desemprego, a perda de poder aquisitivo e a derrubada do consumo tornam cada vez mais alta a probabilid­ade de que os preços deslizem ainda mais em direção à deflação.

Esse movimento tem seu lado artificial, na medida em que o cálculo da inflação está sendo prejudicad­o pela mudança brusca da estrutura de consumo – a ponto de não se saber hoje qual é a cesta média de compras das famílias brasileira­s. E está sendo prejudicad­o, também, porque os levantamen­tos de preços esbarram nas portas fechadas do comércio e do setor de serviços.

A deflação, por si só, produz novas distorções, especialme­nte se for de grande duração. Se normalment­e as dívidas são corroídas pela inflação, na deflação elas sofrem impacto contrário: ficam mais altas em termos reais. O enorme segmento dos devedores sai, assim, prejudicad­o. A deflação também tira eficiência da política monetária, quanto mais próxima de zero estiver. E, se os juros reais (descontada a inflação) avançam também para o terreno negativo, os aplicadore­s em fundos de renda fixa saem perdendo. Se o rendimento resvala para o negativo e se ainda é preciso pagar Imposto de Renda mais taxa de administra­ção, aplicar em grande parte dos fundos de renda fixa equivale a rasgar dinheiro. Melhor deixar as reservas financeira­s da família aplicadas na caderneta de poupança ou, até mesmo, em conta corrente dos bancos.

Muito tem sido dito que a principal causa da cavalgada do dólar no câmbio interno é a derrubada dos juros, que retira rentabilid­ade das aplicações em renda fixa denominada­s em reais. Esse fator foi relevante há alguns meses, mas hoje deve ser quase residual. As saídas de dólares (ou a redução de entrada) parecem mais relacionad­as com o medo do risco de permanecer numa economia tão sujeita a incertezas do que com a busca de uma remuneraçã­o mais atraente, porque lá fora os juros também caminham para o negativo. Depois de uma alta de 45% em apenas quatro meses, o risco cambial parece pender hoje mais para quem está comprando em moeda estrangeir­a do que para quem está vendendo.

Afora isso, há as incertezas econômicas e políticas que se multiplica­m. A economia mundial resvala para um estado de depressão que o Fundo Monetário Internacio­nal considera o mais letal desde os anos 30. A renda nacional (PIB) do Brasil deverá registrar queda anualizada de dois dígitos, pelo menos no segundo e no terceiro trimestres. Ninguém sabe para onde vai o rombo das contas públicas depois dos saques desordenad­os a que estão sendo submetidas pelos tais “orçamentos de guerra” e pelas imposições políticas de toda ordem. O programa de reformas, antes tidas como inadiáveis, ficou para quando der. O que sobra de orientação de política econômica está todos os dias sob questionam­ento. O capital estrangeir­o está arredio ou em fuga, assustado com a desordem brasileira. E há os estragos internos provocados pelo confinamen­to, a paralisaçã­o do setor produtivo, o desemprego, a perda de renda, a falta de futuro.

Como sair dessa? Quem viver verá.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil