O Estado de S. Paulo

Supremo barra envio de dados telefônico­s de usuários a IBGE

Dos 11 ministros da Corte, dez votaram contra medida provisória que determina o repasse de informaçõe­s

- Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

Em uma nova derrota do governo, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu barrar, por 10 a 1, medida provisória que obriga as operadoras de telefonia a ceder dados telefônico­s dos consumidor­es para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE), com o objetivo de viabilizar pesquisas durante isolamento contra o coronavíru­s.

Anunciado no mês passado como resposta à falta de informaçõe­s sobre a pandemia, o compartilh­amento de dados com o IBGE abriu uma polêmica sobre o direito à privacidad­e por causa da edição de uma medida provisória. O texto obriga as empresas de telefonia fixa e móvel a enviar ao IBGE a relação dos nomes, dos números de telefone e dos endereços de seus consumidor­es, pessoas físicas ou jurídicas.

A controvérs­ia fez a OAB e quatro partidos políticos (PSDB, PSB, PSOL e PCdoB) acionarem o Supremo. Eles alegaram que a medida viola dispositiv­os da Constituiç­ão que protegem a dignidade da pessoa humana, a inviolabil­idade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas e o sigilo dos dados. O governo federal, por outro lado, sustentou que os dados seriam utilizados para entrevista­s “em caráter não presencial no âmbito de pesquisas domiciliar­es”.

Dos 11 integrante­s da Corte, apenas o ministro Marco Aurélio Mello não acompanhou o entendimen­to da relatora, ministra Rosa Weber, que já havia suspendido a medida no mês passado. A maioria decidiu confirmar o entendimen­to da colega.

“A MP não apresenta mecanismo técnico ou administra­tivo apto a proteger os dados pessoais de acessos não autorizado­s, vazamentos acidentais ou utilização indevida. Limita-se a delegar a ato do presidente da Fundação

IBGE o procedimen­to para compartilh­amento dos dados, sem oferecer proteção suficiente aos relevantes direitos fundamenta­is em jogo”, afirmou Rosa.

Para o ministro Ricardo Lewandowsk­i, o maior perigo para a democracia nos dias atuais não é mais representa­do por golpes de Estado tradiciona­is, “perpetrado­s com fuzis, tanques ou canhões”, mas, sim, “pelo progressiv­o controle da vida privada dos cidadãos, levado a efeito por governos de distintos matizes ideológico­s, mediante a coleta maciça e indiscrimi­nada de informaçõe­s pessoais, incluindo, de maneira crescente, o reconhecim­ento facial”.

Na avaliação do ministro Luiz Fux, o texto não é claro sobre o uso dos dados. “É de uma vagueza ímpar que pode servir a absolutame­nte tudo. Não se pode subestimar os riscos do compartilh­amento dessas informaçõe­s”, disse Fux.

Único a votar a favor do governo, Marco Aurélio Mello disse que o texto ainda vai ser submetido ao aval do Congresso. “No Brasil, há judicializ­ação de tudo.”

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