Supremo barra envio de dados telefônicos de usuários a IBGE
Dos 11 ministros da Corte, dez votaram contra medida provisória que determina o repasse de informações
Em uma nova derrota do governo, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu barrar, por 10 a 1, medida provisória que obriga as operadoras de telefonia a ceder dados telefônicos dos consumidores para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com o objetivo de viabilizar pesquisas durante isolamento contra o coronavírus.
Anunciado no mês passado como resposta à falta de informações sobre a pandemia, o compartilhamento de dados com o IBGE abriu uma polêmica sobre o direito à privacidade por causa da edição de uma medida provisória. O texto obriga as empresas de telefonia fixa e móvel a enviar ao IBGE a relação dos nomes, dos números de telefone e dos endereços de seus consumidores, pessoas físicas ou jurídicas.
A controvérsia fez a OAB e quatro partidos políticos (PSDB, PSB, PSOL e PCdoB) acionarem o Supremo. Eles alegaram que a medida viola dispositivos da Constituição que protegem a dignidade da pessoa humana, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas e o sigilo dos dados. O governo federal, por outro lado, sustentou que os dados seriam utilizados para entrevistas “em caráter não presencial no âmbito de pesquisas domiciliares”.
Dos 11 integrantes da Corte, apenas o ministro Marco Aurélio Mello não acompanhou o entendimento da relatora, ministra Rosa Weber, que já havia suspendido a medida no mês passado. A maioria decidiu confirmar o entendimento da colega.
“A MP não apresenta mecanismo técnico ou administrativo apto a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados, vazamentos acidentais ou utilização indevida. Limita-se a delegar a ato do presidente da Fundação
IBGE o procedimento para compartilhamento dos dados, sem oferecer proteção suficiente aos relevantes direitos fundamentais em jogo”, afirmou Rosa.
Para o ministro Ricardo Lewandowski, o maior perigo para a democracia nos dias atuais não é mais representado por golpes de Estado tradicionais, “perpetrados com fuzis, tanques ou canhões”, mas, sim, “pelo progressivo controle da vida privada dos cidadãos, levado a efeito por governos de distintos matizes ideológicos, mediante a coleta maciça e indiscriminada de informações pessoais, incluindo, de maneira crescente, o reconhecimento facial”.
Na avaliação do ministro Luiz Fux, o texto não é claro sobre o uso dos dados. “É de uma vagueza ímpar que pode servir a absolutamente tudo. Não se pode subestimar os riscos do compartilhamento dessas informações”, disse Fux.
Único a votar a favor do governo, Marco Aurélio Mello disse que o texto ainda vai ser submetido ao aval do Congresso. “No Brasil, há judicialização de tudo.”