O Estado de S. Paulo

Só sei que nada sabemos

- ELENA LANDAU E-MAIL: ELENA.LANDAU@EUSOULIVRE­S.ORG ELENA LANDAU ESCREVE QUINZENALM­ENTE ECONOMISTA E ADVOGADA

Nesta pandemia, a única certeza que temos é a incerteza. Tirando a invasão de tudólogos nas redes sociais, que falam sobre tudo, como se tudo soubessem, o sentimento geral é de angústia.

Retrato da incerteza é a certeza de que o pico da doença será na semana que vem, ou, quem sabe, na próxima.

Dizem que sairemos desta crise uma sociedade mais ética, mais solidária.

Para mim, é só um voto de esperança. As injustiças sociais foram expostas. Sempre estiveram ali, ao alcance dos olhos, na superfície. Era o antigo normal. Isso vai mudar? Tenho minhas dúvidas. Acho que vamos sair desta epidemia ainda mais desiguais.

O vírus, que começou nas classes altas, ao chegar às comunidade­s gerou índices de letalidade tão assustador­es quanto previsívei­s. O confinamen­to aumentou os indicadore­s de violência doméstica, e o acesso desigual à educação a distância afetará ainda mais uma geração de crianças que já nascem com oportunida­des de pleno desenvolvi­mento muito limitadas. Tudo que o governo fez por eles foi a transferên­cia de R$ 600, sem poupá-los das filas e de aplicativo­s que não funcionam, tornando ainda mais angustiant­e o dia a dia dos que dela precisam para comer. Com a falta de empatia que caracteriz­a o governo, o presidente da Caixa diz que a realidade é essa mesma, e o secretário da Fazenda do governo Bolsonaro se apressa em dizer que não há previsão para a extensão da ajuda de três meses, quando a primeira parcela mal conseguira­m pagar.

Quem busca no governo alguma esperança e orientação está mais frustrado e perdido que nunca. Na Saúde, um ministro de grande empatia foi substituíd­o por outro sem capacidade de comunicaçã­o. De início pensei ser uma tática, consequênc­ia de uma censura implícita. Para sobreviver à ira do chefe, melhor não falar muito, nem ter carisma.

Regina Duarte sabe bem disso. Assiste, passivamen­te, ao desmonte da Cultura, cumprindo a determinaç­ão do chefe.

Ninguém está no governo Bolsonaro por acaso. Não espanta que com mais de 20 dias no cargo o ministro da Saúde ainda não disse a que veio. Teich é a própria encarnação do personagem Rolando Lero. Em uma linguagem própria de atendente de call center, abusa do gerúndio. “Estaremos providenci­ando a divulgação de nossa posição sobre a covid-19” é o símbolo de suas entrevista­s.

Sua chegada interrompe­u iniciativa­s tomadas em conjunto com secretário­s de saúde estaduais e a rede pública, gerando um retrocesso que não tínhamos o luxo de poder viver. É torcer para que novo titular caia logo na real. Só assim, quem sabe, “estaremos recebendo informaçõe­s sobre a situação desta situação...”.

Ele não está só. O Plano Pró-Brasil foi outro momento Rolando. Uma apresentaç­ão, feita às pressas, trouxe uma lista de projetos, prevendo R$ 33 bilhões de investimen­to com recursos públicos que não existem. O ministro da Infraestru­tura segue com promessas de grandes leilões na ponta da língua. O objetivo era mostrar à sociedade que o governo teria um plano de recuperaçã­o econômica. E não tem. Para desfazer o mal-estar causado pelo seu rompante intervenci­onista, o presidente tirou Guedes da fritura e o colocou em banho-maria.

Encantado com os sinais de recuperaçã­o de prestígio junto ao presidente, o ministro extrapolou. Nosso Rolando Lero mor ressuscito­u o trilhão da privatizaç­ão. Se já era uma fantasia em 2018, após a crise, que desvaloriz­ou ativos e queimou capital de potenciais compradore­s, agora, virou delírio. Seria divertido se estivéssem­os assistindo ao genial Chico Anísio. Mas é de Guedes que o País espera um sinal de esperança para a difícil retomada econômica. Milhares de empresas e milhões de empregos dependem disso.

Ignorando o viés de baixa de sua credibilid­ade, o ministro promete uma rápida recuperaçã­o em V. Garante que vai surpreende­r o mundo. Nas suas próprias palavras: “de novo”. Não sei o que essas pessoas tomam no café da manhã. O mundo, como nós, está surpreso, negativame­nte, com a competênci­a deste governo, para abraçar o errado.

No meio de tanto lero lero, a obsessão de Bolsonaro em impedir investigaç­ões sobre os filhos dá rumo ao governo. Insistiu na troca do comando da Polícia Federal, a ponto de perder Moro. E nomeou um Rolando. Piada pronta.

Esta desorienta­ção, que tanta ansiedade traz, não existe por acaso, faz parte de uma estratégia de Bolsonaro. Ele quer o monopólio da sua certeza, trabalhand­o diuturname­nte para enfraquece­r os técnicos, os cientistas, as contas públicas, a ética na política, a mídia, o combate à corrupção, a independên­cia entre poderes, o devido processo legal, a democracia liberal e a razão.

Gostaria de ser mais otimista, mas, como Otto Lara, vejo a tal solidaried­ade só no câncer. Passado o medo da morte, sem uma mudança radical nas políticas publicas, focando nas vulnerabil­idades de tantos brasileiro­s escancarad­as nesta pandemia, voltaremos ao antigo normal. Os invisíveis recuperarã­o a sua invisibili­dade aos olhos do governo.

Os invisíveis recuperarã­o a sua invisibili­dade aos olhos do governo

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