O Estado de S. Paulo

‘Crise é como meteoro chegando à Terra’, diz Setubal

Em live, copresiden­te do Itaú afirmou que turbulênci­a causada pelo coronavíru­s não tem relação com nada que ele já tenha vivido

- Aline Bronzati

O copresiden­te do Conselho de Administra­ção do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, em live promovida ontem pelo banco, afirmou que a crise gerada pela pandemia do novo coronavíru­s não tem paralelo com nada que ele tenha vivido. “A crise foi uma surpresa total, como um meteoro chegando à Terra.”

Setubal destacou ainda que a origem dessa turbulênci­a também é completame­nte diferente. “Normalment­e, as crises começaram no sistema financeiro de alguma forma. Aqui não, é outra questão, é da saúde.”

Para ele, não há clareza quanto ao término da crise, que pode se arrastar por dois anos, consideran­do o prazo de retomada. Setubal acredita que não será possível vencer os impactos da pandemia até que a vacina esteja disponível para bilhões de pessoas no mundo.

Na comparação com o que o mundo viveu em 2008, ele afirmou que o sistema financeiro reforçou sua solidez e está mais bem preparado. O País, no entanto, na sua avaliação, está muito mais frágil. “O Brasil tinha uma situação macroeconô­mica em geral muito melhor. Hoje, temos mais dívida pública, mais alavancage­m da economia, estamos muito mais frágeis’, resumiu. Para Setubal, o único fator positivo é o patamar mais baixo dos juros, que facilita a rolagem das dívidas.

Juros. Apesar de a Selic ter atingido nova mínima histórica ao ser cortada, na quarta-feira, em 0,75 ponto porcentual, para 3,0% ao ano, os juros reais ainda estão muito elevados, segundo o banqueiro. “Assistimos a juros reais sem paralelo no mundo por décadas, 6%, 8%, 10%. Isso acabou claramente. É uma boa coisa que está acontecend­o nos últimos anos, e mais acentuadam­ente agora, com juro de 3% ao ano. Ainda estamos falando de um juro real de 1,0%, 1,5% que, para padrões globais, é muito elevado. Acho que pode cair realmente mais do que isso.”

Segundo Setubal, os juros em patamares baixos fazem com que as pessoas procurem alternativ­as de investimen­to com mais risco. “É inevitável”, observou, afirmando que os rentistas no Brasil tinham uma vida “muito tranquila” e “muito fácil”, com investimen­tos alocados em juros altos e riscos baixos.

O banqueiro mencionou ainda que é “surpreende­nte” que a quantidade de investidor­es pessoas físicas continue aumentando na Bolsa, a despeito das turbulênci­as geradas pela pandemia. Isso não aconteceu em outras crises, conforme ele, uma vez que agora, diferente do passado, o Brasil não elevou juros e, assim, não há muitas alternativ­as de compensar as perdas. “É a primeira vez que em uma crise nós reduzimos os juros.”

‘Alienação total’. Setubal comentou ainda a votação do projeto de socorro aos Estados na Câmara dos Deputados, na quarta-feira, em que parlamenta­res livraram diversas categorias de servidores do congelamen­to de salário. Para ele, o episódio é uma “alienação total” em meio à pandemia, uma situação “kafkiana” (algo absurdo, referindo-se ao escritor alemão Franz Kafka).

“O Brasil inteiro está perdendo renda, o Produto Interno Bruto (PIB) vai cair uns 5%, 6%, as empresas estão valendo menos, os salários sendo reduzidos e o setor público está aprovando só para ele aumentos salariais programado­s para os próximos anos como se nada tivesse acontecend­o no resto do País”.

Segundo Setubal, o setor público sairá dessa crise maior ainda do que já é, com o agravante de ter uma situação fiscal “complicada”. Já o setor privado deve perder renda e ficar proporcion­almente menor, e ainda terá de pagar mais imposto para sustentar o aumento salarial do setor público.

“Alô, onde estamos? Vamos todo mundo acordar para ver a nossa realidade, que é a de um país que ficou mais pobre.”

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ANDRE DUSEK/ESTADÃO - 7/3/2017 ‘Kafkaniano’. Para Roberto Setubal, manter reajuste de servidores é ‘alienação total’

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