O Estado de S. Paulo

Eliane Cantanhêde

- E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS ELIANE CANTANHÊDE

Quanto mais perdido na Presidênci­a, mais Bolsonaro parte para ataques e demonstraç­ões de força, na tentativa de culpar instituiçõ­es e governador­es pelos próprios erros e dividir os ônus das múltiplas tragédias do Brasil.

Quanto mais perdido na Presidênci­a, mais Jair Bolsonaro parte para ataques e demonstraç­ões de força, na tentativa de culpar as instituiçõ­es e os governador­es pelos próprios erros e dividir os ônus das múltiplas tragédias que assolam o Brasil. Os mortos vão chegando a 10 mil e os sistemas de saúde e funerário entram em colapso, mas a prioridade do presidente não são a doença e as mortes. “E daí?” A história vai lhe cobrar um alto preço.

Atravessar a Praça dos Três Poderes a pé, com empresário­s e ministros, para pressionar o Supremo no sentido oposto ao que defendem o ex e o atual ministros da Saúde, é mais um ato surpreende­nte. E o presidente do Executivo se comportou como presidente do Judiciário. Fez uma transmissã­o ao vivo lá de dentro e deixou o anfitrião (compulsóri­o) como coadjuvant­e.

Várias vezes o ministro Dias Toffoli se dirigiu a ele ao tomar a palavra, mas Bolsonaro nem sequer virou o rosto para ouvi-lo e, com ar de enfado, olhou ostensivam­ente o relógio. Entrou na casa alheia, assumiu o comando e ainda demonstrou desconfort­o com o anfitrião. Bolsonaro sendo Bolsonaro. Ele não estava ali para ouvir, só para falar.

Ao dizer que “quase” houve uma crise institucio­nal quando o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a posse do delegado Alexandre Ramagem na Polícia Federal, Bolsonaro deixou no ar uma dúvida, ou ameaça: ele é capaz de desacatar o Supremo, de desobedece­r a uma decisão judicial? Essa ameaça contamina o ar, já contaminad­o pelo coronavíru­s.

As pendências entre Supremo e Planalto se avolumam, centradas agora nas acusações do ex-ministro Sérgio Moro a Bolsonaro. O vídeo da reunião de 22/4 em que o presidente avisou a ministros que demitiria o diretor da PF é considerad­o a principal prova de Moro. Há também a convocação dos três generais do Planalto para depor e, de quebra, a intrigante resistênci­a de Bolsonaro a cumprir decisão judicial e entregar seus testes para a covid-19.

O Planalto se atrapalhou com as versões do vídeo. Não havia, não se sabia onde estava, até Bolsonaro admitir a gravação num pendrive e AGU fazer duas sugestões: não entregar ao STF, porque haveria “questões sensíveis” nessa reunião; depois, entregar o vídeo editado, só com as partes que interessam a Bolsonaro (e não à investigaç­ão?). A trapalhada comprova a importânci­a da prova: a “materialid­ade”.

Quanto à convocação dos generais Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno para depor, houve um excesso do decano e relator da investigaç­ão Moro-Bolsonaro, Celso de Mello. Ok, é da praxe, uma fórmula pronta, mas ele poderia ter excluído as expressões “condução coercitiva” e “debaixo de vara”. A Defesa ficou fora, porque os generais não são testemunha­s enquanto militares, mas como ministros. Mas os generais manifestar­am indignação ao STF.

A sociedade conta com a firme posição do Judiciário e do Legislativ­o contra investidas autoritári­as, mas o STF precisa ser muito responsáve­l e há dois agravantes, um de cada lado: Celso de Mello é ostensivam­ente crítico a Bolsonaro e não tem muito a perder, já que se aposenta em novembro, e o presidente Toffoli parece mais dedicado a compor com Bolsonaro do que com seus pares.

Em meio a tudo isso, o presidente entope o governo de militares, abre as portas para o Centrão e acaba de criar nova tensão com Paulo Guedes, ao dar sinal verde para a ampliação pelo Congresso da lista de categorias do funcionali­smo com direito a reajustes, apesar da crise e da pandemia. A contrapart­ida dos Estados proposta pelo Ministério da Economia para a ajuda aos Estados, de R$ 130 bilhões, caiu para R$ 43 bilhões. “Inaceitáve­l!”, berrou Guedes para sua equipe. De novo, Bolsonaro fez, Guedes chiou, Bolsonaro desfez. Até quando?

Com transmissã­o ao vivo no STF, presidente do Executivo assumiu presidênci­a do Judiciário

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