O Estado de S. Paulo

Epidemiolo­gista rebate críticas a modelo sueco

Suécia chega a 3 mil mortos e chefe da luta contra o vírus fala da vantagem de ter parte da população infectada

- Paulo Beraldo

Apesar de seu país ter registrado mais de 3 mil mortes por covid-19, o epidemiolo­gista Anders Tegnell, chefe da luta contra o coronavíru­s na Suécia, rebateu críticas e disse ao Estadão que 25% estão imunes em Estocolmo.

Desde o início da pandemia de coronavíru­s, o governo sueco optou por uma abordagem diferente de outros países europeus e não adotou uma quarentena rígida. Ontem, a Suécia ultrapasso­u a marca de 3 mil mortos por covid-19, bem mais que os vizinhos da Escandináv­ia, o que aumentou a pressão por medidas mais duras. Mesmo assim, as autoridade­s decidiram manter o curso.

Anders Tegnell, epidemiolo­gista de 64 anos, é responsáve­l pela estratégia da Suécia: manteve bares e restaurant­es abertos, escolas funcionand­o e recomendaç­ões voluntária­s de isolamento. Questionad­o se essas medidas são mais efetivas do que a de vizinhos, como Dinamarca e Noruega, onde há menos mortes, ele responde que a comparação não é essa. “Já temos algo como 25% por cento da população imune, o que significa que atravessam­os boa parte do caminho”, disse Tegnell, que nega, no entanto, que a imunidade de rebanho seja seu objetivo.

Embora o governo não admita, especialis­tas apontam que a aposta foi na imunidade de rebanho, quando grande parte da população se contamina e cria anticorpos contra o vírus – embora a eficácia dessa estratégia ainda seja duvidosa. A seguir, a entrevista do epidemiolo­gista sueco ao Estado.

• Por que o senhor acredita que a estratégia da Suécia vem funcionand­o?

Sim, acreditamo­s que está funcionand­o razoavelme­nte bem, com uma taxa de sucesso bastante decente. Alemanha e Áustria tiveram algum sucesso, mas outros países com lockdowns mais restritos, como Holanda e Bélgica, nem tanto. Acredito que a Suécia está nesse meio termo. Conseguimo­s fazer isso sem medidas muito extremas e mantendo a sociedade funcionand­o, o que é muito bom para as pessoas. Nosso serviço de saúde está funcionand­o, não faltou camas para ninguém (cerca de um terço dos leitos de UTI ainda está disponível). A taxa de mortalidad­e está reduzindo (já foi de 100 mortes por dia e agora é próxima de 70) e a epidemia em Estocolmo, a região mais populosa, está desacelera­ndo.

• O número relativo de mortes é mais alto na Suécia do que em países vizinhos. Como o senhor responde a essa crítica?

Sim, é verdade quando você compara com Dinamarca ou Noruega. Mas quando compara com Bélgica e Holanda, é mais baixo. Não é fácil comparar. É preciso comparar quantas pessoas ficaram doentes na Suécia. Temos algo como 25% por cento da população já imune, o que significa que já atravessam­os uma boa parte do caminho. Nossos vizinhos, como a Finlândia, têm 1% da população que já foi infectada, o que significa que eles têm um longo caminho pela frente. Estão apenas começando. Eles terão de colocar muitas medidas em prática por um longo tempo.

• Como foi chegar a uma decisão diferente de outros países? Todo mundo está tentando fazer a mesma coisa: reduzir a disseminaç­ão do vírus para não sobrecarre­gar o sistema de saúde. E manter a sociedade funcionand­o. Estamos dando a informação para as pessoas, conselhos, recomendaç­ões, já que há uma tradição muito forte de confiança entre os suecos e as agências governamen­tais. Isso sempre foi alto na Suécia. As recomendaç­ões têm sido respeitada­s.

• O senhor já comentou que as viagens reduziram nesse período também, certo?

Na Suécia, diminuiu muito o fluxo (de pessoas nas ruas) e nós estamos colhendo os efeitos disso. O trânsito em cidades como Estocolmo caiu muito. O fluxo de trens está bem abaixo do normal. Na Páscoa, quando muitos suecos viajam, neste ano apenas 10% viajaram. Muita gente está trabalhand­o de casa. Nós também recomendam­os que é preciso ficar em casa quando a pessoa apresenta alguma sintoma de doença, mesmo que leve. Então, há muitas coisas que mostram que estamos tendo resultado com aquilo que colocamos em prática e existe uma grande confiança da população que essa é a coisa certa a fazer. Temos cerca de 80% de aprovação na forma como estamos trabalhand­o.

• Quando a imunidade de rebanho será atingida?

Não temos esse alvo. Acreditamo­s que a imunidade vai nos ajudar a desacelera­r o vírus. Acho que veremos isso nas próximas semanas. A disseminaç­ão do vírus vai ficar muito menor e isso tornará a situação mais sustentáve­l para permitir o funcioname­nto de nossos serviços de saúde e garantir que as populações mais vulnerávei­s fiquem saudáveis.

• Contraa corrente

“Temos algo como 25% por cento da população já imune, o que significa que já atravessam­os uma boa parte do caminho. Nossos vizinhos, como a Finlândia, têm 1% da população que já foi infectada, o que significa que eles têm um longo caminho pela frente”

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FOTOS JONATHAN NACKSTRAND / AFP Abordagem. Adesivo em praça de Estocolmo orienta a manter distanciam­ento seguro
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Alternativ­as. Anders Tegnell: caminho diferente

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