O Estado de S. Paulo

Os juros e as jogadas políticas

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Copom vê risco de recaída na gestão das contas públicas.

Crise econômica e inseguranç­a política são duas grandes balizas citadas pelo Banco Central (BC) ao anunciar nova redução dos juros. A retração dos negócios, neste momento, e o risco de uma farra nas contas públicas, depois da covid-19, estiveram na pauta. O corte da taxa para 3% ao ano foi uma resposta – mais forte que a prevista por boa parte do mercado – ao impacto econômico da pandemia. Segundo o comunicado, os dados de abril apontam uma contração bem mais severa que a estimada em março, na reunião anterior do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. A ideia, de acordo com a nota, foi prover um estímulo “extraordin­ariamente elevado”, embora menor, de acordo com o informe, que o proposto durante o debate por dois membros do comitê. A decisão, no entanto, foi unânime.

A outra grande baliza, a incerteza política, também é citada com destaque. Os comunicado­s do Copom normalment­e mencionam a importânci­a do compromiss­o com ajustes e reformas. A segurança quanto a esses programas é apontada como essencial para a manutenção de juros moderados. Desta vez houve um alerta bem mais forte que a advertênci­a habitual.

Perigos do jogo político são apontados claramente, embora de forma indireta, no texto publicado. “O Comitê ressalta, ainda, que questionam­entos sobre a continuida­de das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia”, diz a nota distribuíd­a na quarta-feira, depois da reunião.

Gastança e irresponsa­bilidade são boas palavras para resumir, neste momento, as “alterações de caráter permanente nos processos de ajuste das contas públicas”. O desastre ocorrerá se o governo, depois da fase emergencia­l, continuar gastando e distribuin­do benefícios sem respeitar as próprias limitações financeira­s.

O compromiss­o da equipe econômica, pelo menos até agora, é retomar o ajuste das contas públicas e a agenda de reformas depois de enfrentado o impacto imediato da crise. A fase de ações excepciona­is deve terminar em 31 de dezembro.

Será possível, no entanto, entender o compromiss­o do Ministério da Economia como um compromiss­o do governo? Não há resposta explícita a essa questão no comunicado emitido pelo Copom. Não é gratuito, no entanto, o alerta quanto ao risco daquelas “alterações permanente­s” na gestão das contas de governo.

As pressões para relaxament­o das finanças oficiais têm sido ostensivas. Partem de congressis­tas, de grupos do funcionali­smo, de grupos empresaria­is, de sindicatos, de aliados do governo e de membros do Executivo, com indisfarçá­vel anuência do presidente da República.

As alterações no projeto de ajuda federal a Estados e municípios ocorreram com apoio da cúpula do Executivo, contra a opinião da equipe econômica. Só um dia depois da aprovação, e novamente cobrado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente admitiu a possibilid­ade de vetar reajustes, por um período, aos funcionári­os poupados pelos congressis­tas.

A aprovação do projeto ocorreu enquanto o Copom examinava a conjuntura, avaliava os problemas associados à pandemia e deliberava sobre o novo estímulo à sustentaçã­o dos negócios. Terá essa coincidênc­ia alimentado, pelo menos em parte, a preocupaçã­o quanto ao relaxament­o da gestão orçamentár­ia? Mesmo sem esse detalhe haveria, com certeza, motivos substancia­is para inquietaçã­o quanto à política fiscal depois das ações emergencia­is.

O novo corte de juros permitirá um alívio adicional ao Tesouro, na gestão da dívida pública. É difícil, no entanto, avaliar neste momento se a medida contribuir­á de forma relevante para a expansão do crédito e o fortalecim­ento dos negócios. Há quem chame a atenção para um obstáculo bem mais importante, hoje, do que o custo dos financiame­ntos: o conjunto das incertezas econômicas e políticas. Incertezas têm destaque também no informe do Copom. Seus integrante­s, de toda forma, fizeram seu trabalho. Falta ver a contribuiç­ão, muito incerta, do presidente da República e de outras autoridade­s.

Copom aponta risco de recaída na gestão irresponsá­vel das contas públicas

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