O Estado de S. Paulo

Presidente do STJ isenta Bolsonaro de mostrar exames

Ministro João Otávio Noronha acata recurso da AGU contra pedido do ‘Estadão’ para divulgação de testes do presidente para covid-19

- Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, decidiu atender o Palácio do Planalto e barrar a determinaç­ão para que o presidente Jair Bolsonaro torne públicos exames realizados para verificar se foi infectado pelo novo coronavíru­s. O Estadão vai recorrer no próprio STJ e no STF.

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, decidiu ontem atender ao Palácio do Planalto e barrar a determinaç­ão para que o presidente Jair Bolsonaro torne públicos exames realizados para verificar se foi infectado pelo novo coronavíru­s. A Advocacia-Geral da União (AGU) acionou o STJ para impedir que Bolsonaro fosse obrigado a divulgar os laudos dos

testes. O Estadão vai recorrer da decisão de Noronha.

Nos últimos dias, a Justiça Federal de São Paulo e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) garantiram ao Estadão o direito de ter acesso aos testes por conta do interesse público em torno da saúde do presidente. A decisão de Noronha, no entanto, derrubou o entendimen­to da primeira e da segunda instâncias.

“Agente público ou não, a todo e qualquer indivíduo garante-se a proteção a sua intimidade e privacidad­e, direitos civis sem os quais não haveria estrutura mínima sobre a qual se fundar o Estado Democrátic­o de Direito”, escreveu Noronha em sua decisão de ontem.

“Relativiza­r tais direitos titulariza­dos por detentores de cargos públicos no comando da administra­ção pública em nome de suposta ‘tranquilid­ade da população’ é presumir que as funções de administra­ção são exercidas por figuras outras que não sujeitos de direitos igualmente inseridos no conceito de população a que se alude, fragilizan­do severament­e o interesse público primário que se busca alcançar por meio do exercício das funções de Estado, a despeito do grau hierárquic­o das atividades desempenha­das pelo agente público”, concluiu o presidente do STJ.

Para o advogado do Estadão Afranio Affonso Ferreira Neto, a decisão de Noronha “afronta o devido processo legal, a lei orgânica da magistratu­ra e a Carta Magna”. “Vamos recorrer ao próprio STJ e ao STF, já”, disse Ferreira Neto.

O Estadão havia pedido que Noronha se consideras­se impedido de analisar o recurso da AGU por ter antecipado em entrevista ao site jurídico Jota sua posição sobre o tema. Na última quinta-feira, o ministro afirmou que “não é republican­o” exigir que os documentos de Bolsonaro sejam tornados públicos. “Essa decisão poderá chegar a mim com um pedido de suspensão de segurança, então vou permitir para não responder. Mas é o seguinte, eu não acho que eu, João Otávio, tenho que mostrar meu exame para todo mundo, eu até fiz, deu negativo. Mas vem cá, o presidente tem que dizer o que ele alimenta, se é (sangue) A+, B+, O-?”, disse Noronha, na entrevista ao site Jota.

“Não é porque o cidadão se elege presidente ou é ministro que não tem direito a um mínimo de privacidad­e. A gente não perde a qualidade de ser humano por exercer um cargo de relevância na República. Outra coisa, já perdeu até a atualidade, se olhar, não sei como está lá, o que adianta saber se o presidente teve ou não coronavíru­s se foi lá atrás os exames?”, afirmou o presidente do STJ.

Na semana passada, Bolsonaro se dirigiu ao presidente do STJ na posse do novo ministro da Justiça, André Mendonça, e afirmou: “Confesso que a primeira vez que o vi foi amor à primeiro vista. Me simpatizei com Vossa Excelência. Nós temos conversado com não muita persistênc­ia, mas, as poucas conversas que temos, o senhor ajuda a me moldar um pouco mais para as questões do Judiciário”, disse o presidente.

Histórico. Depois de questionar o Palácio do Planalto e o próprio presidente sobre o resultado do exame, o Estadão entrou com ação na Justiça na qual aponta “cerceament­o à população do acesso à informação de interesse público”, que culmina na “censura à plena liberdade de informação jornalísti­ca”. A Presidênci­a se recusou a fornecer os dados via Lei de Acesso à Informação, argumentan­do que elas “dizem respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, protegidas com restrição de acesso”.

Em parecer encaminhad­o na última quinta-feira ao Tribunal Regional Federal da 3ª. Região (TRF-3), o Ministério Público Federal (MPF) defendeu o direito de o Estadão ter acesso os “laudos de todos os exames” realizados por Bolsonaro. “Tradiciona­lmente a condição médica dos Presidente­s é de interesse geral”, escreveu a procurador­a regional da República Geisa de Assis Rodrigues.

Bolsonaro já realizou dois testes para saber se foi contaminad­o pela doença – em 12 e 17 de março. Ele disse que o resultado deu negativo, mas se recusa a divulgar os testes. Em entrevista à Rádio Guaíba, na quintafeir­a retrasada, o presidente afirmou que “talvez” tenha sido contaminad­o. “Eu talvez já tenha pegado esse vírus no passado, talvez, talvez, e nem senti”, afirmou o presidente.

“Agente público ou não, a todo e qualquer indivíduo garante-se a proteção a sua intimidade e privacidad­e, direitos civis sem os quais não haveria estrutura mínima sobre a qual se fundar o Estado Democrátic­o de Direito.”

João Otávio de Noronha

PRESIDENTE DO STJ

 ?? GABRIELA BILO/ ESTADÃO ?? Adiamento. Presidente Jair Bolsonaro acena após deixar o Ministério da Defesa, em Brasília
GABRIELA BILO/ ESTADÃO Adiamento. Presidente Jair Bolsonaro acena após deixar o Ministério da Defesa, em Brasília

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