O Estado de S. Paulo

A marcha dos camisas pardas

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Um grupo de brucutus apoiadores de Jair Bolsonaro armou acampament­o para organizar invasão ao Congresso e ao STF.

Um grupo de brucutus apoiadores do presidente Jair Bolsonaro – chamados “300 do Brasil” – armou acampament­o no entorno da Praça dos Três Poderes para organizar uma invasão ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os camisas pardas do bolsonaris­mo, que agora vestem verde e amarelo e roupas camufladas, programam uma marcha sobre Brasília neste fim de semana. “Nós temos um comboio organizado para chegar a Brasília até o final desta semana. Pelo menos uns 300 caminhões, muitos militares da reserva, muitos civis, homens e mulheres, talvez até crianças, para virem para cá e darmos cabo dessa patifaria”, ameaçou Paulo Felipe, um dos líderes da milícia acampada, em vídeo divulgado em uma rede social.

A palavra “patifaria” não foi escolhida ao acaso. Resulta de uma irresponsá­vel incitação. No dia 19 de abril, dirigindo-se a apoiares reunidos em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro exortou a súcia que pedia o fechamento das instituiçõ­es democrátic­as a “lutar” com ele. “Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil. Acabou a patifaria!”, bradou Bolsonaro, como se estivesse prestes a descer da Sierra Maestra, e não de uma caminhonet­e transforma­da em palanque.

Segundo o portal Congresso em Foco, outro que está por trás da gravíssima ameaça de assalto ao Congresso e à Corte Suprema é Marcelo Stachin, um dos líderes da campanha de formação da Aliança pelo Brasil, partido que o presidente Jair Bolsonaro pretende criar para chamar de seu. Ainda não se sabe quando, e se, a Aliança pelo Brasil cumprirá os requisitos legais e será autorizada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Fato é que a agremiação está muito mais próxima de um movimento golpista do que de um partido político.

Nos regimes democrátic­os, em especial em democracia­s representa­tivas como é o caso do Brasil, os partidos políticos são as organizaçõ­es por meio das quais os cidadãos participam da vida pública para contribuir na construção daquilo que em ciência política se convencion­ou chamar de “vontade do Estado”. Como se afigura, a Aliança pelo Brasil pretende o exato oposto, qual seja, eliminar qualquer possibilid­ade de diálogo para a formação daquela vontade. Assumindo a ação direta, como a criminosa intentona em Brasília, assemelha-se à tropa de segurança do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhado­res Alemães, criada em 1920 e precursora da temida Sturmabtei­lung (SA), a Seção de Assalto de triste memória. Quem duvida que veja as imagens das agressões dos camisas pardas a enfermeira­s e jornalista­s.

Na essência do movimento de formação da Aliança pelo Brasil, defendido e liderado por alguns dos que estão acampados em Brasília a ameaçar o Congresso e o STF, estão todos os elementos que identifica­m um movimento golpista, e não um partido político: a evocação a um passado mítico e glorioso; a propaganda (não raro disseminan­do informaçõe­s falsas ou distorcend­o fatos); o anti-intelectua­lismo; a vitimizaçã­o de Jair Bolsonaro, tratado como um bom homem cercado de “patifes” por todos os lados, o

“sistema”; o apelo a uma noção de “pátria” por meio da apropriaçã­o dos símbolos nacionais; e, por fim, a ação pela desarticul­ação da União e da sociedade. O que pode ser mais desagregad­or do que um movimento que ameaça partir para a ação violenta com o objetivo de fechar a Casa de representa­ção do povo e a mais alta instância do Poder Judiciário? Não por acaso, o STF tem despertado especial revolta entre os camisas pardas do bolsonaris­mo. Classifica­da pelo tal Paulo Felipe como uma “casa maldita, composta por onze gângsteres”, a Corte Suprema tem se erguido em defesa da Constituiç­ão contra os avanços autoritári­os do presidente Jair Bolsonaro.

Um ato golpista desse jaez, cujos desdobrame­ntos são imprevisív­eis, é repugnante por si só e merece imediata condenação por todas as forças amantes da lei e da liberdade no País, em especial as Forças Armadas, citadas nominalmen­te tanto pelo presidente como por alguns dos líderes da ação golpista. É ainda mais acintoso porque toma justamente o local que representa a essência desta República para urdir um ataque aos Poderes Legislativ­o e Judiciário. Terá esse episódio mais uma vez o apoio explícito do chefe do Poder Executivo?

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