O Estado de S. Paulo

O IPCA e o coronavíru­s

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Com a queda de 0,31% em abril, a segunda maior da história, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que baliza a política de metas inflacioná­rias do Banco Central (BC), acumula alta de 0,22% no primeiro quadrimest­re do ano e de 2,40% em 12 meses. Esta última variação já está abaixo do piso de tolerância da política de metas do BC, de 2,5% (a meta é de 4,0% em 2020), e tende a cair nos próximos meses. O próprio BC já admite que a inflação de 2020 pode ficar em 2,0%. Analistas do mercado financeiro, porém, preveem nova redução do IPCA em maio, provavelme­nte maior, de modo que já surgem projeções de que a inflação no ano ficará abaixo de 2%.

De algum modo, a paralisia da produção em diversos segmentos, a suspensão de boa parte da atividade comercial, a brutal queda da demanda de serviços, a redução dos deslocamen­tos de pessoas e mercadoria­s, consequênc­ias do isolamento social necessário para conter a expansão da pandemia, se expressam numericame­nte na inflação. A retomada será lenta, tanto mais lenta quanto mais se mostrarem atabalhoad­as, e irresponsá­veis em certos casos, as autoridade­s que deveriam coordenar as ações em nível nacional para salvar vidas e conter outros efeitos da pandemia.

Por causa da emergência sanitária decorrente do avanço da covid-19, a coleta presencial de preços por técnicos do IBGE nos locais de venda foi suspensa no dia 18 de março. Desde então, os preços têm sido coletados em sites da internet, por telefone ou por email. Isso pode gerar alguma distorção. Além disso, com o confinamen­to de boa parte da população em suas residência­s e a mudança radical de alguns hábitos de consumo, as despesas familiares que compõem a estrutura do IPCA devem ter igualmente mudado bastante.

A despeito de eventuais imprecisõe­s, os dados do IBGE mostram que a redução de 2,66% dos gastos das famílias com transporte­s foi a principal responsáve­l pela queda do IPCA em abril, menos intensa apenas que a registrada em agosto de 1998 (de -0,51%). Essa redução se deveu principalm­ente à diminuição de 9,59% dos preços dos combustíve­is.

Curiosamen­te, o IPCA de abril foi empurrado para cima pelos preços das passagens aéreas, que subiram 15,1%. Esses preços foram coletados em fevereiro, antes, portanto, do impacto do coronavíru­s. As medidas de enfrentame­nto da pandemia provocaram adiamentos, cancelamen­tos e redução do número de voos, o que deve aparecer com maior nitidez nos índices deste e dos próximos meses.

Sobre alguns segmentos, o impacto da crise sanitária enfrentada pelo País foi brutal. A interrupçã­o das linhas de montagem de praticamen­te todas as empresas automobilí­sticas por causa do isolamento social fez a produção de veículos cair 99,3% em abril, na comparação com a de um ano antes. Em relação ao mês anterior, a produção de abril caiu 99%, como informou a Associação Nacional de Fabricante­s de Veículos Automotore­s (Anfavea).

Foram fabricadas apenas 1,8 mil unidades em abril, o menor resultado para um mês desde o início da série histórica da Anfavea, em 1957. Nem mesmo em períodos de greve a produção foi tão baixa, lembrou o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes. Há um esforço das montadoras para preservar empregos, disse ele. Mas ressaltou que, se a crise se estender, ficará mais difícil evitar demissões. “Quanto mais coordenada for a gestão da saúde e da recuperaçã­o da economia, mais chance vamos ter (de manter empregos)”, ressaltou Moraes.

O isolamento social, que levou ao fechamento de lojas de produtos considerad­os não essenciais, teve outro efeito imediato: o salto nos estoques do comércio e da indústria. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) constatou que 24,9% das indústrias e 20% das empresas varejistas têm estoques excessivos.

É uma porcentage­m alta, o que tende a tornar mais difícil a normalizaç­ão dos negócios quando a crise sanitária começar a ser superada.

Sem demanda por causa da paralisia da economia, preços tendem a cair

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