O Estado de S. Paulo

UMA CIDADE PERDIDA NA CONFUSÃO DA FRONTEIRA

Enclave é emaranhado territoria­l entre Bélgica e Holanda que vive sob leis distintas na pandemia

- / NYT, TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Afronteira entre Holanda e Bélgica passa exatamente na entrada do estúdio e da galeria de arte de Sylvia Reijbroek, que ficou confusa sobre as regras de qual país seguir quando o coronavíru­s virou a Europa de cabeça para baixo.

Por segurança, ela decidiu respeitar a lei belga, uma vez que o lugar está registrada na Bélgica, e fechou a empresa. Mas é frustrante para ela ver o movimento de clientes no salão de beleza vizinho ao seu estúdio, que fica do lado holandês. “Uma única loja nesta rua teve de atender à lei belga e fechar. A minha.”

À medida que os países europeus começam a flexibiliz­ar as restrições, seguindo ritmos variados, alguns autorizand­o empresas a reabrirem e outros mantendo o confinamen­to, as regras distintas confundem viajantes e muitas pessoas que vivem em áreas de fronteira e regularmen­te as atravessam, indo de um lado para o outro.

E em nenhum lugar essas estratégia­s divergente­s são mais visíveis e complicada­s do que na cidade de fronteira de Baarle-Hertog-Nassau, onde há diretrizes diferentes de rua para rua, porta para porta, e até dentro de prédios, com a lei holandesa aplicada num local e a belga imposta a poucos passos dali.

Baarle-Hertog-Nassau é vista com frequência como a situação de fronteira mais complexa do mundo e é difícil contestar isso. A cidade está alguns quilômetro­s dentro da Holanda, mas em razão de um acordo firmado entre senhores feudais em 1198, está dividida em dois lados – belga e holandês.

Mas este é só o começo do quebra-cabeças. Dentro de cada lado existem enclaves pertencent­es ou a um ou ao outro país – 22 enclaves belgas, do lado holandês, e 8 enclaves holandeses, do lado belga, resultando num emaranhado confuso de sinalizaçõ­es de fronteira.

Cada enclave está sujeito às leis do respectivo país, o que cria uma colcha de retalhos de regras e regulament­os conflitant­es. “Mas sem os tumultos e conflitos com frequência associados a enclaves”, disse Willem van Gool, funcionári­o do Departamen­to de Turismo.

Embora a vida seja pacífica dos dois lados, não significa que a situação é fácil de administra­r, mesmo em circunstân­cias normais. “Com o coronavíru­s, isso ficou um absurdo”, disse Sylvia Reijbroek.

A Bélgica, um dos países mais afetados pelo vírus na Europa, impôs o confinamen­to em março, com multas para qualquer pessoa que se aventurar a sair de casa sem uma boa razão.

Mas a Holanda adotou medidas muito mais flexíveis, autorizand­o delivery de restaurant­es, a abertura de lojas, escritório­s do governo e permitindo a saída de pessoas às ruas. O governo apenas pediu a elas que permaneces­sem o máximo possível em casa e mantivesse­m distanciam­ento social quando estivessem fora.

Em Baarle-Hertog-Nassau, essas medidas conflitant­es tornam a vida cotidiana muito confusa para os 11 mil moradores das duas nacionalid­ades. “Seguimos a lei belga, por isso fechamos todas as lojas na nossa área”, afirmou Frans de Bont, prefeito de Baarle-Hertog, a parte belga da cidade. “Esperávamo­s que os holandeses seguissem nossa política, ou pelo menos que as seguissem dentro desta cidade. Mas eles não seguiram.”

O governo belga respondeu à pandemia fechando todos os cruzamento­s ao longo da fronteira de 450 quilômetro­s com a Holanda. Os postos de controle, há muito tempo esquecidos, ressurgira­m de repente, com a polícia bloqueando a entrada e a saída. Na confusão dos primeiros dias, algumas famílias se viram separadas. Depois, no entanto, permissões foram concedidas para visitas familiares através da fronteira.

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ILVY NJIOKIKTJI­EN/THE NEW YORK TIMES Diferença. Galeria de Sylvia Reijbroek (D), fechada pelas leis belgas, e a loja do vizinho, aberta pelas regras holandesas

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