O Estado de S. Paulo

Lotação de UTIs a 85% deve levar a bloqueio total, dizem especialis­tas

Para eles, locais como São Paulo e Rio correm o risco de ver seus sistemas de saúde entrarem em colapso

- Fabiana Cambricoli

Regiões em que as UTIs já estão com 85% a 90% de sua capacidade preenchida­s, como São Paulo e Rio, já deveriam ter decretado lockdown (bloqueio total) e agora correm o risco de ver seus sistemas de saúde entrarem em colapso nos próximos dias. Essa é a opinião de especialis­tas em saúde ouvidos pelo Estado sobre a demora de governador­es em adotar medidas mais drásticas de isolamento social.

Eles afirmam que mesmo Estados que adotarem agora o isolamento radical ainda têm chances de sofrer com a falta de leitos, já que são necessária­s pelo menos duas semanas para observar os efeitos da medida. Segundo Ederlon Rezende, membro do conselho consultivo da

Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e coordenado­r da UTI do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, quando uma UTI chega a uma lotação de 85%, ela já é considerad­a cheia pois a rotativida­de dos pacientes é menor e o cenário pode mudar a qualquer instante. “Esse índice é problemáti­co porque, dependendo do tamanho da UTI, se chegar dois ou três pacientes, ela já lota e você começa a ter problema de falta de vagas”, explica ele.

O especialis­ta relata que no Hospital do Servidor Estadual, onde chefia a UTI, o número de leitos de terapia intensiva dobrou por causa da pandemia e, mesmo com a ampliação, já chegou a 75% da capacidade. “Se não tivéssemos aumentado, já teríamos colapsado. Só hoje (ontem), tive sete novos pacientes entrando e só duas altas”, diz.

Para o sanitarist­a Walter Cintra Ferreira, professor de administra­ção hospitalar e sistemas de saúde da Fundação Getulio Vargas (FGV), embora seja difícil estabelece­r a hora certa para o lockdown, a lotação de 90% dos leitos do sistema público já é um indicativo concreto de que a situação está à beira do colapso. “Está claro que ainda não chegamos ao pico. Com o aumento de mortes diárias, precisamos manter o distanciam­ento social no País e decretar lockdown nos Estados que já têm 90% das UTIs ocupadas porque isso significa que já há fila de doentes e que a situação chega perto da perda de controle”, afirma.

Segundo o governo paulista, os hospitais estaduais da região metropolit­ana já operam com cerca de 90% de suas UTIs ocupadas há pelo menos quatro dias. No Rio, mais de 400 pacientes aguardam vaga de terapia intensiva na rede pública.

Os especialis­tas dizem que, se o distanciam­ento social definido até agora tivesse sido bem sucedido, talvez o lockdown não fosse necessário. Agora, porém, a medida mostra-se inevitável em algumas regiões. Para eles, as divergênci­as nos discursos de lideranças políticas e a demora do governo federal em pagar o auxílio emergencia­l fizeram com que a adesão da população ao isolamento ficasse abaixo do esperado.

“O governo federal errou em duas questões: uma foi a postura do presidente Bolsonaro em minimizar a pandemia. Com isso, as pessoas se sentiram compelidas a não seguir as orientaçõe­s de isolamento. A segunda é a demora no pagamento de auxílio. Isso já deveria estar solucionad­o no mês passado”, afirma Paulo Lotufo, epidemiolo­gista e professor da Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo (FMUSP).

Para Ferreira, foram questões políticas que impediram o País de adotar medidas de isolamento mais restritiva­s. “Essa decisão deveria ter sido técnica. O objetivo principal de qualquer governante agora deveria ser salvar vidas. Mas muitos não quiseram arcar com o ônus de problemas econômicos. Mas podem ter outro ônus, que é o de pilhas de mortos”, diz.

“A decisão de decretar lockdown é difícil, mas o preço por demorar muito para fazer isso vai ser o de muitas vidas perdidas.”

Ederlon Rezende

MÉDICO INTENSIVIS­TA

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FELIPE RAU/ESTADÃO Metrô, SP. Restringir mais a circulação de pessoas tornou-se inevitável em algumas áreas

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