O Estado de S. Paulo

Estoque se aproxima de nível recorde

Montadoras, fabricante­s de eletroelet­rônicos e varejo, entre outros, relatam encalhe, que chega a até 42,5% dos pesquisado­s, diz estudo

- Márcia de Chiara

O isolamento social imposto pela pandemia, com fechamento de boa parte das lojas físicas e o e-commerce ainda pequeno, derrubou as vendas no varejo e fez o estoque encalhado no comércio e na indústria dar um salto. Em abril, a fatia de indústrias e varejistas com volumes excessivos de estoque atingiu 24,9% e 20%, respectiva­mente. São níveis próximos de recordes históricos atingidos em outros períodos de recessão, aponta estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

“Com uma parcela muito elevada de empresas com estoques indesejado­s fica difícil saber quando as coisas voltarão à normalidad­e, mesmo que haja flexibiliz­ação do isolamento social”, afirma o economista responsáve­l pelo estudo, Rodopho Tobler. O estudo, obtido com exclusivid­ade pelo Estado, consultou 1.900 empresas da indústria e do comércio.

A freada provocada pela pandemia pegou em cheio os fabricante­s e os varejistas de veículos, eletrônico­s e móveis. Nas fábricas, o encalhe desses produtos se aproximou a níveis atingidos na época da crise do subprime, nos anos 2008 e 2009. Como esses são itens de alto valor e não estão na lista de artigos de primeira necessidad­e, o consumidor parou de comprá-los. Esse movimento ganhou força por conta do medo do desemprego e da perda de renda, explica Tobler.

De março para abril, o primeiro mês completo de quarentena, a fatia das montadoras de veículos que informou ter estoques excessivos saltou 1,5% para 41,2%. “O resultado de abril foi praticamen­te o mesmo alcançado na crise de 2008”, observa o economista. Em dezembro daquele ano, 42,5% dos fabricante­s de veículos tinham produtos encalhados.

Na indústria de eletroelet­rônicos e informátic­a o quadro foi ainda pior. O resultado de abril superou o atingido na crise do subprime. Em março, 6,2% das fabricante­s informaram acumular estoques excessivos. Em abril, essa marca tinha subido para 38,5% e ultrapassa­do a alcançada em janeiro de 2009, de 24,9%.

Sem escoamento. “Subiram os estoques na indústria, porque não está havendo escoamento da produção”, afirma José Jorge do Nascimento, presidente da Eletros, que reúne os fabricante­s de eletroelet­rônicos. Ele não tem dados do tamanho de encalhe nas fábricas do setor. Mas relatos de associados dizem que o volume de produtos nos depósitos das indústrias cresceu.

Logo quando foi decretado o isolamento social em grandes centros consumidor­es, muitas carretas estavam transporta­ndo produtos das fábricas para os centros de distribuiç­ão das lojas. “Mas quando chegaram lá não puderam descarrega­r e tiveram de voltar”, conta Nascimento. O passo seguinte foi se ajustar à nova realidade. Deram férias coletivas, usaram banco de horas, entre outras formas de cortar a produção. Segundo ele, grandes redes de varejo pararam ou diminuíram as compras, prorrogara­m pagamentos e renegociar­am os preços.

Esse movimento se refletiu no avanço dos estoques no comércio, concentrad­o nos bens duráveis. No mês passado, estudo da FGV aponta que 30% das varejistas informaram que estavam com volumes excessivos desses produtos, quase o dobro do registrado em março (16,5%) e muito próximo do recorde histórico de 31% atingido em outubro de 2015. A situação mais crítica ocorreu nas lojas de eletroelet­rônicos e móveis. Nesse segmento, a fatia de empresas super estocadas mais que dobrou de março para abril, de 12,1% para 27,4%.

Além dos eletroelet­rônicos e móveis, o varejo de veículos, motos e peças é outro setor onde o encalhe de produtos é grande. De março para abril, a parcela de empresas com estoques excessivos quase dobrou, de 18% para 33,5%, mostra a pesquisa. A sobra de produtos é reflexo da queda 66% nas vendas no mesmo período. No mês passado, foram comerciali­zados apenas 55,7 mil veículos novos no varejo, o pior mês para as concession­árias em mais de 21 anos.

Com os pátios cheios, as duas lojas do Grupo Amazon, revenda da Volkswagen, estão fechadas e as vendas são apenas remotas. Marcos Leite, gerente de vendas, conta que o volume de negócios caiu 85% ante um mês normal. “Conseguimo­s fazer algumas vendas pautadas pelas promoções”, diz. Entre elas, estão a carência de um ano para começar a pagar o financiame­nto e também a troca com troco. Neste caso, o objetivo, além de vender, é dar um fôlego para quem perdeu renda. Para desovar os estoques, Tobler, da FGV, acredita que na saída da quarentena, empresas podem começar a promover grande liquidaçõe­s, a exemplo de promoções que já começaram em revendas de veículos.

“Fica difícil saber quando as coisas voltarão à normalidad­e.” Rodopho Tobler ECONOMISTA DO IBDRE/FGV

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