O Estado de S. Paulo

Impasse do congelamen­to

- ADRIANA FERNANDES E-MAIL: ADRIANA.FERNANDES@ESTADAO.COM ADRIANA FERNANDES ESCREVE AOS SÁBADOS É JORNALISTA

Oembaraço político e econômico que marcou a votação do congelamen­to de salários dos servidores públicos pelo Congresso mostra que a pressão pelo gasto não tem limites no País.

Muitos senadores e deputados defenderam a exclusão de várias categorias do congelamen­to de salários com a justificat­iva de que a medida é inócua porque não haverá dinheiro para os aumentos por conta do impacto da covid-19 na economia e nos cofres públicos.

É má-fé dos parlamenta­res ou mesmo ignorância sobre o que tem acontecido nas últimas décadas no Brasil. Faltou também sensibilid­ade dos parlamenta­res para a opinião pública. Sim, o outro lado: trabalhado­res da iniciativa privada, que tiveram cortes de salários ou perderam o emprego para a pandemia da covid-19. Esse lado também pode fazer a diferença.

Mesmo com o Estado quebrado em todas as esferas de governo (União, Estados e municípios), podemos ver que a opção que tem prevalecid­o é pelo mau uso do dinheiro público.

O Rio, integrante do chamado “grupo dos três” Estados mais quebrados do País, ao lado de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, aprovou lei que autoriza o Executivo a promover alterações no orçamento de 2020 para permitir a revisão das remuneraçõ­es dos servidores estaduais. O governador disse que não vai aumentar, mas sancionou a lei. Tudo isso em plena pandemia.

Foi também com espanto e assombro que vimos esta semana a decisão do procurador-geral de Justiça do Estado de Mato Grosso, José Antônio Borges Pereira, de criar uma “ajuda de custo” para procurador­es, promotores e servidores desembolsa­rem gastos com a própria saúde. Apelidado de “bônus covid”, o benefício terá um valor de R$ 500 para servidores efetivos e comissiona­dos. Os procurador­es e promotores ganharão o dobro: R$ 1 mil. O MP de Mato Grosso diz que os recursos já estavam previstos no orçamento deste ano. “Não se trata de um dispêndio financeiro sem lastro orçamentár­io.”

Se havia sobra no caixa, por que não direcionar os recursos para o combate da pandemia voltado aos mais vulnerávei­s?

Mas garantir esse repasse para ajudar no enfrentame­nto da doença, o Congresso não quis aprovar. A proposta de destinar a sobra no caixa dos demais Poderes para o enfrentame­nto da covid-19 não vingou.

Se o projeto tivesse sido aprovado antes, o “bônus covid” de Mato Grosso não teria sido adotado. O projeto aprovado pelo Congresso proíbe a criação ou aumento de auxílios, vantagens, bônus, abonos, benefício de cunho indenizató­rio, para servidores de todos os Poderes e seus dependente­s, inclusive militares. Medida muito importante.

Alguém duvida que, se tiverem oportunida­de, governador­es, prefeitos e representa­ntes de outros Poderes não reajustam os salários ou arrumam algum tipo de bônus?

Quem mais se apropria desses ganhos é a elite da burocracia do funcionali­smo como se viu no “bônus covid” dos procurador­es.

Se esse risco não existisse, por que tanta pressão para deixar várias categorias de fora do congelamen­to? A mobilizaçã­o se intensific­ou para que Bolsonaro vetasse a proibição até dezembro de 2021 da contagem do tempo para o período aquisitivo necessário para a concessão de anuênios, triênios, quinquênio­s e licenças-prêmio. Esse tipo de bônus não existe mais no governo federal mas tem peso grande no cresciment­o da folha de Estados, principalm­ente na área de segurança. De acordo com fontes da área econômica, o alívio total é de cerca de R$ 40 bilhões. Nos Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, esses benefícios correspond­em a um terço do cresciment­o da folha. Nos do Nordeste, chegam até 50%. É, portanto, gasto na veia cortado e não apenas “promessa” de reajuste salarial, como querem taxar aqueles que não acreditam na importânci­a do congelamen­to. Não é verdade que a medida não gera economia.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, colocou sua cabeça a prêmio ao insistir na medida do congelamen­to. Com transmissã­o ao vivo, Guedes, ao lado do presidente, defendeu o veto das categorias que ficaram de fora do congelamen­to e ganhou a promessa de Bolsonaro. Fica desmoraliz­ado sem o veto. Por isso, a tensão do momento. O Congresso terá a palavra final, mas que nenhuma liderança venha depois com o papo furado de sempre de que todos têm responsabi­lidade fiscal se o cenário piorar pós-covid-19.

Deputados e senadores, tenham coragem: não derrubem o veto.

Paulo Guedes colocou sua cabeça a prêmio ao insistir na medida do congelamen­to

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