O Estado de S. Paulo

NAS ÁREAS ESSENCIAIS, MÃES EM DOSE DUPLA

Mulheres que trabalham em serviços essenciais contam como serão as celebraçõe­s hoje; mesmo com a distância, não faltará carinho

- Priscila Mengue

Hoje será um Dia das Mães diferente para quem está em isolamento social. Sem casas cheias, beijos e abraços. Mas deve ganhar um significad­o até mais forte. Especialme­nte para mães que trabalham em funções essenciais e, além dos filhos, precisam cuidar de muito mais gente. Como a enfermeira obstetra Rita Icassatti Queiroz (foto).

Grande parte do que se associa ao Dia das Mães não será possível neste domingo. A celebração não terá casas cheias, beijos e abraços apertados nem grandes almoços de família. Ao menos para aqueles que podem e aceitam o distanciam­ento necessário na pandemia do novo coronavíru­s, tudo terá de ser adaptado com cuidado.

Esse sentimento é ainda mais forte entre as mães que trabalham em funções essenciais, da enfermeira à agricultor­a, da condutora de trem à socorrista, da cientista à profission­al de limpeza. Para elas, o dever profission­al se soma às precauções redobradas para preservar os filhos e pais idosos.

A enfermeira obstetra Rita Icassatti Queiroz, de 45 anos, conta ter sentido um “chamado” para seguir. Mãe de Davi e Diego, respectiva­mente de 6 e 13 anos, ela até se sente “privilegia­da” em relação a outros profission­ais de saúde neste momento, por trabalhar em uma maternidad­e em que a “grande maioria” das pacientes tem final feliz.

No Hospital e Maternidad­e Santa Joana, na cidade de São Paulo, ela percebe os desafios da enfermagem na pandemia, em que o distanciam­ento não pode impedir o segurar da mão e outros gestos nos momentos necessário­s. “Por causa da máscara, tento passar humanizaçã­o, carinho, pelo olhar.”

A pandemia é ainda mais presente no cotidiano de Danyella Pereira, de 39 anos, uma das responsáve­is pela análise de testes do novo coronavíru­s no Grupo Fleury. “Conforme a gente vai liberando o resultado, enxerga mais ou menos o que está acontecend­o. Às vezes, olha os casos positivos e, dependendo da idade, fica mais sensibiliz­ada.”

Ela conseguiu trocar o plantão deste domingo, mas não vai ter almoço com avó, mãe, pai, tios, primos e irmã. Ficará em casa com o marido e a filha, Iris, de 3 anos, mas todos já planejam festejos. “Quando acabar

(a pandemia), vai ser tudo fora de época, Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais, uma festa para cada, para tirar o atraso.”

Já Carolina Elias Sabbaga, de 46 anos, liderava estudos do protozoári­o da Doença de Chagas

no Instituto Butantã até ser uma das diretoras de laboratóri­o chamadas a participar da força-tarefa para reduzir a fila de testes do novo coronavíru­s na rede estadual. “É uma loucura o dia inteiro, a gente passou feriados emitindo laudos”, diz.

Grande parte dessa nova rotina de Carolina é no escritório montado na sala de casa, com o convívio das filhas Luiza e Marina, respectiva­mente de 14 e 18 anos. “A mais velha fica envolvida, pergunta muito. Com essa história de trabalhar em casa, todo mundo ouve um pouco. Elas veem que a história que passa na TV está aqui dentro de casa também.”

Celebração. Outra mãe trabalhado­ra essencial é a agricultor­a Terezinha dos Santos Matos, de 53 anos, que planta mais de 50 variedades de alimentos orgânicos em São Mateus, na zona leste. Com o marido, José, de 57 anos, cuida da horta, entrega produtos para clientes idosos e participa de duas feiras. “A doença triplicou os pedidos, o que a gente leva vende.”

Terezinha prevê um domingo de descanso, em relação às 15 horas diárias de trabalho que

chega a cumprir. Estará acompanhad­a dos filhos Luiz, de 17 anos, e Cleisiane, de 33, que moram com ela, mas distante de Angélica, de 29 anos, que é casada. “Vai ser um Dia das Mães completame­nte diferente. Geralmente vêm outros parentes, meus irmãos, que moram todos por aqui.”

Já Juberlania Guilherme do Nascimento, de 36 anos, ficará com a filha, Isabelle, de 12 anos, que está preparando um presente secreto com fotos que pegou emprestado. “Ela sempre faz uma coisa, uma cartinha, sempre

É a data mais gostosa do ano. Vai ser um dia de muita sensibilid­ade não poder ter contato com minha mãe nem apertar meus meninos.”

Rita Icassatti Queiroz ENFERMEIRA OBSTETRA

me surpreende.”

Operadora de trens na Linha 5-Lilás do Metrô, ela gosta de dizer que não transporta pessoas, mas “histórias”. Também costuma ficar de olho nos vagões e, se percebe aglomeraçã­o, emite um aviso aos passageiro­s. “Sei que estou na linha de frente para levar pessoas que provavelme­nte vão salvar vidas.”

Para a camareira Ana Lucia Nascimento, de 43 anos, a celebração com o filho, Davi, de 7, e a mãe, Ana, de 66, será apenas à noite, pois estará de plantão na casa de repouso Lar Sant’Anna. “Vou vir trabalhar com toda a alegria, para conversar com os idosos que estarão saudosos dos filhos (pela suspensão das visitas)”, conta. “Oro muito para que Deus guarde a minha casa, não me deixe esquecer de usar álcool em gel ou colocar a mão no rosto. Tenho buscado ter calma, o desespero não vai ajudar.”

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 ?? NILTON FUKUDA/ESTADÃO ?? Enfermeira. Rita trabalha em uma maternidad­e e se considera uma privilegia­da por presenciar finais felizes; de máscara, tenta passar carinho pelo olhar
NILTON FUKUDA/ESTADÃO Enfermeira. Rita trabalha em uma maternidad­e e se considera uma privilegia­da por presenciar finais felizes; de máscara, tenta passar carinho pelo olhar
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NILTON FUKUDA/ESTADÃO Agricultor­a. Terezinha terá dia de descanso com os filhos

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