O Estado de S. Paulo

UM MUNDO SEM TOQUE

Atendiment­o virtual na empresa Segurpro, em São Paulo: pandemia tem feito companhias adotarem processos e tecnologia­s que dispensam contato com a mão.

- Fernando Scheller

Uma atitude antes automática – apertar o botão para abrir a cancela do estacionam­ento do supermerca­do – virou, no mundo pós-coronavíru­s, operação complexa. Fazer o quê? Achar um papel para não tocar onde vários dedos possivelme­nte contaminad­os já passaram ou dispensar a proteção e lambuzar as mãos de álcool em gel logo depois? Para evitar esse dilema, redes de supermerca­dos começaram a substituir botões por tecnologia­s de aproximaçã­o, que excluem o toque. É um exemplo de escolhas tecnológic­as – às vezes, simples e baratas, outras caras e complexas – que as empresas terão de fazer a partir de agora.

A corrida pela adoção de novas tecnologia­s se intensific­ará à medida que as mortes pelo coronavíru­s no Brasil atingirem novos picos, diz Heitor Salvador, presidente da empresa de segurança corporativ­a SegurPro. Entre os projetos em andamento, diz o executivo, estão soluções simples, como adaptação de antigas câmeras de segurança para medição de distância entre funcionári­os, até a substituiç­ão de inteiros sistemas de identifica­ção por digital por tecnologia­s de reconhecim­ento facial. Ele garante que é possível programar as câmeras para reconhecer pessoas mesmo quando elas usam máscaras para se protegerem da covid-19.

Investimen­tos. Entre as empresas que já investiram em tecnologia­s sem toque estão a Petrobrás e a Vale. A mineradora adquiriu câmeras térmicas capazes de identifica­r, em um grupo de trabalhado­res iniciando um turno em uma mina, um indivíduo com febre. Os equipament­os fazem parte de um lote de 86 câmeras térmicas compradas por R$ 7,5 milhões. As câmeras são capazes de identifica­r as variações de temperatur­a – e colorir a silhueta do funcionári­o potencialm­ente doente.

A Petrobrás trabalha em diferentes frentes. Instalou câmeras térmicas – modelos mais simples, que mostram variações de temperatur­a de profission­ais que passam, um a um, por uma catraca – e trabalha em várias frentes para ampliar a distância social, principalm­ente nas plataforma­s de produção, onde o espaço é limitado. O índice de infecção pela covid-19 nesses ambientes é acompanhad­o pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), como mostrou ontem reportagem do Estadão.

Segundo Juliano Dantas, gerente do centro de pesquisa da estatal (Cenpes), a tecnologia sem toque – ou low touch, em inglês – é uma “preocupaçã­o central”. A companhia analisa seus processos para evitar que superfície­s sejam tocada por um grande número de pessoas. “Isso começa pelas catracas”, diz Dantas. Sem gastar muito, é possível também aumentar a vigilância de determinad­os comportame­ntos, como aglomeraçõ­es de funcionári­os. “Uma câmera pode ganhar um novo

software e ser ‘treinada’ para disparar um alarme para dispersar pessoas”, explica.

Digital x face. Como lembra Salvador, da SegurPro, alternativ­as low touch terão de ser adotadas também da “porta para fora” e vão influencia­r a relação entre negócios e clientes. É o caso das já mencionada­s cancelas de estacionam­ento e de outros pontos de atendiment­o, como totens de pagamento e caixas eletrônico­s de bancos. Segundo uma fonte ouvida pelo Estadão, um grande banco brasileiro já estuda

trocar a identifica­ção do correntist­a da impressão digital para a identifica­ção facial.

A empresa japonesa de tecnologia NEC já adota, em sua sede, em São Paulo, sistema de identifica­ção facial em que trabalhado­res e visitantes são identifica­dos por uma câmera, que libera o acesso ao prédio, sem necessidad­e de encostar crachá – e, quase sempre, a mão – numa superfície de uso coletivo. Já a SegurPro oferece uma portaria virtual em que a pessoa se coloca diante de uma tela e apenas mostra o documento a um porteiro que

trabalha remotament­e, em uma central. Ao “ler” a foto do documento, a solução é capaz de liberar ou não o visitante.

Fator humano. Modificar processos depende, claro, do “fator humano”. A fábrica da Volkswagen no ABC Paulista deve retomar atividades no dia 18 deste mês. Para garantir o cumpriment­o de medidas de segurança, funcionári­os agirão como monitores e vão separar aglomeraçõ­es. “Todo mundo vai ter de respeitar. Vamos esquecer hierarquia­s. O monitor poderá chamar a atenção de qualquer um, até de mim”, disse Pablo Di Si, presidente da Volkswagen na América Latina, durante a série de entrevista­s Economia na Quarentena, na semana passada.

E sempre haverá formas de driblar regras, alerta Leonardo Fonseca Netto, diretor da NEC. A câmera que identifica funcionári­os febris, por exemplo, só é capaz de medir a temperatur­a no momento em que filma a pessoa. “Não sou contra a solução, mas, se a pessoa tiver tomado um antitérmic­o horas antes e a temperatur­a estiver temporaria­mente normal, a câmera não vai identifica­r nada”, pondera. É a prova de que a tecnologia pode ir longe, mas não é capaz de garantir que humanos desenvolva­m certas qualidades. Nesse caso, o senso de bem comum.

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO
 ?? TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO -23/4/2020 ?? Rostos da multidão. Entre as soluções da empresa de segurança SegurPro estão sistemas de reconhecim­ento facial
TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO -23/4/2020 Rostos da multidão. Entre as soluções da empresa de segurança SegurPro estão sistemas de reconhecim­ento facial
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WILTON JUNIOR / ESTADÃO-7/5/2020 Febre. Unidade do Centro de Pesquisa da Petrobrás usa câmera que detecta temperatur­a

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