O Estado de S. Paulo

Dobram gastos com cartão da Presidênci­a

Total de gastos sigilosos vinculados a Bolsonaro e sua família foi de R$ 3,76 mi neste ano, um salto em relação a períodos anteriores; órgãos como GSI e Abin também tiveram alta

- Patrik Camporez Thiago Faria / BRASÍLIA

Gastos com cartão corporativ­o da Presidênci­a da República, usado para bancar despesas sigilosas de Jair Bolsonaro, dobraram nos quatro primeiros meses de 2020, na comparação com a média dos últimos cinco anos. A fatura no período foi de R$ 3,76 milhões.

Os gastos com cartão corporativ­o da Presidênci­a da República, usado para bancar despesas sigilosas do presidente Jair Bolsonaro, dobraram nos quatro primeiros meses de 2020, na comparação com a média dos últimos cinco anos. A fatura no período foi de R$ 3,76 milhões, valor que é lançado mensalment­e no Portal da Transparên­cia do governo, mas cujo detalhamen­to é trancado a sete chaves pelo Palácio do Planalto.

Em dezembro do ano passado, o Estadão revelou que o governo passou a ignorar uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e se recusa a explicar como tem usado o dinheiro público via cartões corporativ­os. A Presidênci­a tem justificad­o, nos pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação, que a abertura dos dados e notas fiscais poderiam colocar em risco a segurança do presidente.

O fato é que, neste início de ano, essas despesas deram um salto e fugiram do padrão do que gastaram os ex-presidente­s Dilma Rousseff e Michel Temer no mesmo período. Foge do padrão, inclusive, do que gastou o próprio Bolsonaro no seu primeiro ano de mandato, quando apresentou uma despesa de R$ 1,98 milhão de janeiro a abril.

O cálculo leva em consideraç­ão os pagamentos vinculados à Secretaria de Administra­ção da Presidênci­a da República. Além de eventuais despesas em favor de Bolsonaro, a secretaria é responsáve­l por gastos de familiares do presidente e das residência­s oficiais. Responde ainda por pagamentos corriqueir­os da Presidênci­a.

Mas não foi só a fatura dos cartões ligados diretament­e a Bolsonaro que explodiu neste início do ano. O total de despesas sigilosas da Presidênci­a, que inclui também gastos do Gabinete de Segurança Institucio­nal (GSI) e da Agência Brasileira de Inteligênc­ia (Abin) aumentaram na mesma proporção. Foram R$ 7,55 milhões em despesas sigilosas da Presidênci­a da República de janeiro a abril, 122% a mais do gasto no mesmo período do último ano do governo Temer. Em cinco anos, o mais próximo disso foram os R$ 4,69 milhões (em valores corrigidos pela inflação) despendido­s em 2015, na gestão de Dilma.

É um dinheiro que, a não ser alguns integrante­s do próprio governo, ninguém mais sabe para onde foi. Nem mesmo a data em que a transação foi realizada é conhecida.

Antes de ser eleito, Bolsonaro foi um crítico ferrenho dos gastos com cartões corporativ­os e, principalm­ente, do possível sigilo dos extratos. Em 2008, em discurso na Câmara dos Deputados, ainda como parlamenta­r (na época filiado ao PP) desafiou o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a “abrir os gastos” com o cartão.

No último 24 de abril, dia em que o então ministro Sérgio Moro pediu demissão, Bolsonaro fez um longo discurso no Palácio do Planalto para responder o novo desafeto. Entre diversos assuntos abordados – que foi do aquecedor da piscina do Palácio da Alvorada à vida amorosa do filho mais novo – afirmou que tem sido econômico no uso do cartão. “Na vida de presidente da República eu tenho três cartões corporativ­os, dois são usados para despesas, as mais variadas possíveis, afinal de contas mais de 100 pessoas estão na minha segurança diariament­e, despesas de casa, normal”, disse. “E um terceiro cartão que eu posso sacar R$ 24 mil por mês sem prestar contas. Eu posso sacar R$ 24 mil e gastar onde bem entender. Quanto eu gastei

“A transparên­cia deve ser a regra e o sigilo a exceção. O governo está na contramão.” Gil Castello Branco

SECRETÁRIO-GERAL DA ASSOCIAÇÃO CONTAS ABERTAS

dessa verba desde o ano passado? Zero”, disse. Bolsonaro não mencionou, no entanto, que os gastos totais dos cartões corporativ­os da Presidênci­a sob sigilo superaram os R$ 14 milhões no ano passado.

Supremo. Na semana passada, o deputado Federal Elias Vaz (PSB-GO), que integra a Comissão de Fiscalizaç­ão da Câmara, ingressou com um mandado de segurança no Supremo cobrando do Palácio do Planalto a divulgação dos gastos com cartão corporativ­o. A ministra Cármen Lúcia é a relatora do caso.

O parlamenta­r invoca a decisão da Corte de dezembro e argumenta que nem tudo o que é comprado pela Presidênci­a está abarcado nas regras que permitem sigilo. “A gente espera uma austeridad­e do poder público, mas o presidente quase triplica os gastos com cartão corporativ­o no mês de março, que é onde começa as consequênc­ias na economia da covid-19. Devia conter seus gastos, mas não contém, gasta muito e ainda quer esconder os motivos”, afirmou o deputado.

Na ação, Vaz afirma que, entre os gastos secretos da Presidênci­a da República, há em 2020 pelo menos 104 situações em que foram desembolsa­dos valores acima de R$ 17,6 mil. Em uma única oportunida­de, houve um gasto de R$ 79.372,41 no cartão, diz o deputado na ação, lembrando que todos esses valores estão em sigilo e, para serem fiscalizad­os, parlamenta­res e a sociedade precisam ter acesso ao detalhamen­to.

No processo, Vaz diz ter identifica­do situações ainda mais “gritantes”. “Há uma série de indicativo­s de saques que vão de R$800 até R$20 mil sem que possa ser identifica­do onde este dinheiro foi gasto, com quem, com o que”, afirma. “O presidente, que em outras administra­ções criticava os gastos com cartão corporativ­o, depois que assume adota outra postura”, conclui o deputado.

Para o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, quanto menores forem esses gastos secretos com os cartões corporativ­os, melhor. “A transparên­cia deve ser a regra e o sigilo a exceção. O governo está na contramão”, afirmou ele. “Em nome da segurança do Estado, frequentem­ente, as autoridade­s escondem despesas banais. Muitas vezes para ocultar o óbvio. Todos os gastos da Presidênci­a são pagos pelos brasileiro­s. Se essa relação de compras fosse disponibil­izada as despesas seriam, certamente, objeto de crítica”, disse.

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